Em mais um ano em que tristes recordes são quebrados, as queimadas que, nesta época acometem os biomas brasileiros da Amazônia, Pantanal e Cerrado, são mais uma vez repercutidas a nível nacional e internacional como um desastre ambiental sem precedentes. Ph.D. pela School of Biological Sciences- University of East Anglia, do Reino Unido, e docente do Mestrado em Ecologia da Unisanta, Prof. Dr. Miguel Petrere Júnior, comentou o momento de intensas e numerosas queimadas que o país vive.
Natural da cidade paulista de Itapetininga, o experiente professor de 71 anos de idade, iniciou seu depoimento destacando a intensidade das queimadas, não apenas no Brasil, mas a nível mundial, com o exemplo mais conhecido da costa oeste dos Estados Unidos, onde o fogo se aproxima de grandes cidades, como São Francisco, na Califórnia. Ele também caracterizou o fenômeno das queimadas: “A maioria das queimadas são intencionais, outras acidentais. São previsíveis quanto à época do ano (na seca), mas a magnitude não, embora esta tenha aumentado cada vez mais”.
Prof. Petrere também ressaltou a magnitude das queimadas que atingem o Pantanal. De acordo com ele, o bioma será o mais impactado. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Pantanal tem recorde de focos de queimadas para o mês de setembro (que nem acabou ainda), com 5.815 pontos de calor detectados até o dia 19/09, número muito maior que a média mensal histórica, que é de 1.944 focos.
Sobre a origem das queimadas assombrosamente numerosas na maior planície alagada contínua do mundo, o docente da Unisanta pontua: “Os fenômenos naturais devem ser mínimos, por exemplo, o fogo oriundo de raios, ou combustão espontânea de matéria seca acumulada. A maioria é consequência de queimadas provocadas pelo homem com pouca ou nenhuma prevenção de o fogo se alastrar para a floresta que nesta época do ano tem muita matéria seca (serrapilheira) acumulada e que deveria ser preventivamente queimada”.
Outro tema abordado por Miguel Petrere foi a Amazônia, bioma que foi internacionalmente citado em 2019 pelas queimadas e que também teve um aumento neste quesito em 2020. Novamente segundo o Inpe, até o dia 19 deste mês foram detectados 26.656 focos de calor na maior floresta tropical do mundo (ante 19.925 focos em setembro do ano passado, representando um aumento de cerca de 34%). Se comparados os pontos de calor identificados neste ano (69.527), os dados são 13% maiores do que os de todo o ano de 2019. “A maior intensidade dos incêndios no Pantanal dominou o noticiário”, afirmou Petrere sobre o ofuscamento da situação amazônica.
Ao tratar dos inúmeros malefícios que as numerosas queimadas podem causar, Dr. Petrere citou como o mais rapidamente sentido as: “Dificuldades respiratórias tanto para animais como para os humanos”. A fumaça produzida nas queimadas da Amazônia, Pantanal e Cerrado já se estende por mais de 4 mil quilômetros no continente, cobrindo parte do Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai, além do sul e sudeste brasileiro com as nuvens cinzentas de poluição. O docente da Unisanta também citou a interferência negativa das queimadas nos processos naturais: “No futuro, pode afetar o clima local com a queda na evapotranspiração (soma da perda de água do solo por evaporação e a perda de água da planta por transpiração)”, comentou o professor.
Quando perguntado sobre as ações humanas para fomentar ou impedir a continuidade da quebra de recordes de queimadas no Brasil a cada ano que passa, Prof. Petrere enfatiza que não existem soluções relativamente rápidas e fáceis para melhorar os números. Segundo o docente, que elogiou a cobertura jornalística dada ao tema, o Brasil tem um problema crônico de lideranças e planos políticos na pasta do Meio Ambiente, algo que piora sucessivamente.
E isso se traduz em dados como os da redução em 58% do gasto esperado com a contratação de pessoal de combate ao fogo por tempo determinado, somado ao de diárias de civis que atuam como brigadistas (era de R$ 23,78 milhões em 2019, em 2020 é de R$ 9,99 milhões), segundo o Portal da Transparência. Também é válido destacar a redução do ritmo das operações de fiscalização ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) em Mato Grosso do Sul, com consequente queda de 22% nas multas aplicadas a autuações relacionadas à vegetação em 2020, em relação ao ano passado.
Por fim, Prof. Miguel Petrere citou um agente em comum entre a alta intensidade das queimadas brasileiras e norte-americanas (além de outros países que registram aumentos sucessivos neste quesito): o aquecimento global, aumento das temperaturas médias do planeta ao longo dos últimos tempos, causado em tese pelas práticas humanas, que intensificam o efeito estufa (fenômeno natural ocasionado pela concentração de gases na atmosfera). Estima-se que entre os anos de 2025 e 2050, a temperatura apresentará um aumento de 2,5 a 5ºC, o que causará, entre outras consequências desastrosas, episódios mais frequentes e duradouros de secas. Tendo tudo isso em mente, Petrere terminou sua análise com uma mensagem a todos os minimamente sensatos: “Precisamos cuidar melhor do Brasil”.