Artigo de Lúcia Teixeira – Janeiro branco e saúde mental

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Artigo sobre os cuidados com a saúde mental e emocional, de janeiro a janeiro. Um tema difícil, tratado com sensibilidade pela psicóloga, educadora e escritora Lúcia Teixeira, presidente da Unisanta e do Semesp. O texto também foi publicado na edição de 16/1 do Jornal A Tribuna (impresso e digital).

Janeiro branco, um alerta 

Lúcia Teixeira. Escritora, psicóloga e educadora, presidente do Semesp e da Unisanta 

Mais um ano e muitos jovens iniciando a fase adulta com novos ciclos, em uma trajetória cheia de desafios e muitas escolhas, em que tudo pode ser tão esmagador e difícil, em busca de significado para a vida, sonhos e inquietações. Podem apresentar falta de confiança em si, por não conseguir arrumar um emprego (em um mercado de trabalho que exige cada vez mais qualificação tecnológica e com baixas ofertas para essa faixa de idade), os primeiros amores, insatisfeitos com seu corpo, entre outros dilemas. Além dos chamados “nem-nem”, que nem estudam nem trabalham, ficam sem propósitos claros e já são 23% da população brasileira de jovens.

Muitos jovens brasileiros querem, mas não conseguem concluir o Ensino Médio devido a vários fatores, como a necessidade de trabalhar, dificuldades e falta de motivação na escola.

No Brasil, hoje, de quatro alunos do Ensino Fundamental, apenas dois continuam no Ensino Médio e, desses, somente um avança ao Ensino Superior. Atualmente, só 18,1% dos jovens de 18 a 24 anos estão em universidades e faculdades. A meta do Plano Nacional de Educação era chegar a 33% em 2024. O País sofre com essa ausência de políticas públicas.

Há também os que não podem viver a adolescência, devido a condições desiguais de vida, e passam da infância para a idade adulta ou têm sua existência terminada antes disso. Pois falar em adolescência pressupõe que há um adulto ainda bancando total ou parcialmente aquele jovem. Nem todos os jovens brasileiros têm essa possibilidade. Vencer esse sentimento de desesperança é, antes de mais nada, dar aos jovens um sentido para a existência, uma proteção para prevenir o acirramento dos quadros depressivos.

Por tudo isso, é urgente estimular crianças, jovens e adultos para que desenvolvam defesas para persistir, imaginar, inventar e criar. Aprender a encarar frustrações, sofrer junto a outras pessoas, sem simplesmente culpar os demais quando algo dá errado (e sempre dá na vida), o que permite a comunicação humana.

Conversar sobre o tema do suicídio é importante, com abordagens sérias de especialistas, rodas de conversa, orientar pais, professores e funcionários para identificar sinais de alerta e encaminhar para o setor de apoio psicopedagógico as pessoas em espiral descendente em termos acadêmicos ou emocionais. Envolver famílias, escolas, a comunidade, instituições, a sociedade.

Quando for o caso, indicar órgãos e profissionais capacitados, lembrando que buscar ajuda é um sinal de força e não de fraqueza. Não se deve tentar atribuir culpas. O fundamental é não ignorar os sinais e se mostrar disponível a ajudar.

Nossa cultura oferece geralmente como portas de entrada, da passagem da vida infantil para a adolescência, e desta para o mundo adulto, o consumo, as redes sociais onde tudo parece perfeito e acessível, com o gozo mostrado na propaganda, imagens de felicidade, bebidas etc.

Crianças e jovens são um grande potencial do mercado. Instrumentos como leitura, informação, arte, cultura, política e trabalho social podem torná-los críticos em relação às facetas dessa sociedade, esse “mundo líquido”, em que nada é feito para durar, para ser sólido, conforme expressão cunhada pelo sociólogo e pensador Zygmunt Bauman.

A escola e a universidade não podem assumir o papel de clínica psiquiátrica, mas sim ser parte de uma extensa rede de proteção aos jovens, que precisa envolver as famílias, sistema público de saúde, a sociedade e muita informação e prevenção. Essa rede de proteção deve oferecer saídas para os sentimentos de frustração com a própria vida, de não pertencimento, da pressão social pelo sucesso a qualquer preço, pelo corpo perfeito, o bullying, a depressão, a desesperança em relação ao futuro, o desemprego, a violência, que se abatem sobre toda a sociedade, mas se aprofundam na adolescência.

Vínculos sociais fortes são fator de proteção importante, mesmo em situações de extremo sofrimento. Precisamos mostrar que há razões para viver. Construir esses caminhos para ver estrelas. Sem esperar o paraíso na Terra, usar lucidez e coragem para melhorar o mundo. Todos juntos.