A pesca tem muito mais a oferecer às comunidades ribeirinhas da Baixada Santista do que apenas a comercialização da carne do pescado. Uma pesquisa realizada por biólogos da Universidade Santa Cecília (Unisanta) com os resíduos provenientes da limpeza de peixes e crustáceos pode abrir novas oportunidades às famílias de pescadores e a toda cadeia produtiva que surge com esse negócio promissor.

Pele, escamas, carcaça de peixes, além da carapaça dos camarões, que diariamente são descartadas como lixo, transformam-se em matéria-prima para a produção de acessórios de moda como brincos, colares e braceletes, revestimento de blocos de anotações, porta pen drive. E a lista de produtos não para por aí. Vestuário, calçados, bolsas e até o design de interiores, como placas para revestimentos de paredes, são outros segmentos nos quais o resíduo da pesca pode trazer um aspecto inovador e com um valor agregado que não tem preço – o desenvolvimento sustentável e a preservação ambiental.

O professor Orlando Couto Júnior, coordenador do Laboratório de Aqüicultura da Unisanta, conta que a idéia surgiu há dois anos, após observar a enorme quantidade de resíduos descartados depois da limpeza de peixes e crustáceos vendidos para consumo.

Trabalhando com a aqüicultura – cultivo de diferentes espécies que vivem na água – junto a produtores nos municípios de Peruíbe e Itanhaém, o biólogo constatou que a ração é responsável por 52% do custo da criação de peixes. Foi então que, por meio de pesquisas, Júnior desenvolveu uma ração à base de vísceras de peixe, o que resultou em um ganho de 22%.

O mais interessante é que pelo fato de ser orgânica, a ração não causa impacto ambiental e pode ser usada por mais tempo como alimento para as tilápias, pacus e dourados criados naqueles locais. “A ração industrial perde suas propriedades nutricionais após seis meses. A orgânica, sendo acondicionada de forma adequada, pode durar muito mais”.
Empreendedorismo – A partir daí, as pesquisas foram ampliadas e começaram a ser desenvolvidas com o suporte do Núcleo de Inovação, Negócios e Empreendedorismo da Unisanta, conhecido com Pré-incubadora de Empresas, que orienta projetos inovadores e com potencial de mercado.

Com a participação de Marina Franceschinelli de Souza, recém-formada em Biologia Marinha, e Gabriela Klain Florindo, aluno do 4º ano do mesmo curso na Unisanta, o professor iniciou de forma pioneira na região os estudos para aproveitamento de outras partes descartadas do pescado.

Em um galpão instalado em Santos, eles desenvolvem todo o processo de tratamento do material – o cortume do peixe. A sustentabilidade ambiental é marca do projeto. Não são usados metais pesados para tratar a pele do peixe. A partir de uma substância líquida extraída da banana, mamão e também da rizófora – planta de manguezal – se obtém o tanino vegetal, que usado com pigmentos dá cor a pele. Para dar maciez e eliminar o cheiro, a pele passa por um processo a base de água, álcool, variação de temperatura e o remolho.

É necessária uma área grande para realizar as etapas de preparação da matéria-prima. O grupo faz uso de freezer para acondicionar a pele, tanques para aplicação do remolho, bancadas e local de estocagem.

“O potencial desse trabalho é enorme”, comenta o biólogo. Ganha o pescador que vende os resíduos dos pescados, quem prepara o material e quem cria e faz os produtos, que podem ser inúmeros. “Não se trata de um artesanato de lembrança, mas uma ação que pode reduzir o impacto ambiental e mudar a vida de muita gente.”

O projeto será encaminhado a instituições de fomento à pesquisa, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), possibilitando ampliar ainda mais os estudos.