Blackwater é o nome dado ao aumento abrupto de substâncias no ambiente aquático. A dra. Helen Sadauskas, pesquisadora e professora dos mestrados em Ecologia e Auditoria Ambiental da Unisanta, foi convidada a fazer parte da pesquisa no Centre for Freshwater Biology, da La Trobe University Albury-Wodonga.
Espécies de peixes podem alterar seu status fisiológico para se adaptar às alterações em seu ambiente natural, sendo essas mudanças naturais ou antrópicas (causadas pelo homem). Para isso, os peixes desencadeiam mecanismos fisiológicos que os ajudam a lidar com as diferenças na qualidade da água em que vivem. Estudar essa adaptação dos peixes a ambientes modificados é um dos objetivos de pesquisa da Dra Aleicia Holland, da Universidade La Trobe, na Austrália, que convidou a prof.a Dra. Helen Sadauskas, da Unisanta, para participar do estudo.
Na Austrália, por exemplo, durante os períodos de seca, existe um acúmulo de matéria orgânica natural no entorno dos rios. Em períodos de chuvas, essa matéria orgânica é carregada para o ambiente aquática ocasionando um aumento abrupto dessas substâncias no ambiente (evento conhecido como “blackwater”). Além do aumento abrupto da matéria orgânica natural, as águas também se tornam ácidas (pH entre 4,5-5,0) devido à grande quantidade de ácidos húmicos e fúlvicos – principal componente orgânico encontrado em diversos corpos de água, lagos e também no oceano – presentes na matéria orgânica natural.
O Murray Cod (Maccullochella peelii), espécie de peixe nativa da bacia do rio Murray-Darling na Austrália, habita ambientes que sofrem influência desses eventos de “blackwater”. Até o momento, nenhum estudo havia sido realizado no âmbito de se avaliar os efeitos do aumento abrupto da matéria orgânica natural e diminuição do pH na fisiologia dessa espécie.
“Minha parceria com a Dra. Aleicia Holland se iniciou durante meu pós-doutorado, realizado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em Manaus (AM) e na University of British Columbia (UBC) em Vancouver (Canadá). Trabalhamos com o mesmo supervisor canadense, dr. Chris M Wood da UBC (Vancouver, Canadá), que foi pioneiro em estudar a importância da matéria orgânica nas respostas fisiológicas de peixes expostos à pHs ácidos”, comenta a docente.
Segundo Helen, o convite para participar da pesquisa surgiu no âmbito de um projeto aprovado pelo governo australiano. “ O projeto no Discovery early career award (DECRA) foi realizado para se estudar os efeitos da matéria orgânica provindas de diferentes fontes de rios australianos na toxicidade de metais e na fisiologia de peixes. Ela me convidou, como uma pesquisadora com conhecimento na área, para trabalhar nesse projeto”, diz a dra. Helen, agora também, pesquisadora associada ao Centre for Freshwater Biology (Centro de Biologia de Água Doce), da Universidade de La Trobe.
Efeitos da matéria orgânica
Segundo a pesquisadora, a matéria orgânica natural é conhecida por alterar a permeabilidade das membranas biológicas, alterar as funções osmorregulatórias e causar alterações de enzimas relacionadas ao metabolismo. Essas alterações podem ser benéficas por um lado, como por exemplo, no caso de baixas do pH das águas, a matéria orgânica natural pode ajudar os peixes a manterem suas funções no processo de perder ou ganhar água no ambiente natural, uma vez que águas ácidas são conhecidas por causar grandes alterações dessas funções nos peixes, podendo levar à morte.
Por outro lado, alguns trabalhos já demonstraram que alterações estruturais nas moléculas presentes na matéria orgânica podem causar um efeito inverso, onde o equilíbrio das funções osmorregulatórias pode ser perdido, causando danos no metabolismo e nas funções basais dos peixes.
“É importante conseguir entender os efeitos da matéria orgânica na fisiologia dos peixes e tentar correlacionar com a estrutura das moléculas presentes nessas matérias orgânicas isoladas de diversos rios e riachos. Eventos como mudanças climáticas (aumento dos períodos chuvosos e secos) podem causar alterações na matéria orgânica natural, que vão desde alterações na sua estrutura molecular, até em sua concentração nos ambientes aquáticos, além da consequente baixa nos valores do pH desses ambientes, devido à maior concentração dessas moléculas”, ressalta a pesquisadora.
Helen ainda salienta que, dessa forma, é importante tentar entender quais são os efeitos desses eventos em espécies de peixes nativas, especialmente espécies endêmicas. E que isso pode auxiliar em políticas públicas de preservação de ambientes naturais, manejo e conservação de espécies.
A pesquisa foi realizada a partir do isolamento de carbono orgânico dissolvido (DOC), provindos da matéria orgânica natural, de diferentes rios da Austrália para ampliar o entendimento e o conhecimento de seus efeitos nos peixes. O estudo, pioneiro na área, reuniu amostras de DOC isoladas de cinco rios do país localizadas em toda a costa da Austrália. “A principal questão abordada é que, dependendo do sistema, o carbono orgânico dissolvido tem características diferentes que vão interagir de formas distintas com os organismos aquáticos”, diz a docente.
Estudo em diversos países
A pesquisa foi realizada pelos mesmos profissionais em diferentes localidades como Canadá, Amazônia e na Austrália. Foram observadas diferentes respostas dos organismos encontrados nas regiões, quando em contato com o DOC e o pH ácido. “O DOC tem um papel crucial para ajudar esses organismos a enfrentar os pHs ácidos. E queríamos estender o estudo para saber se isso ocorre em outras espécies em outras partes do mundo”, explica a dra. Helen.
A pesquisadora complementa que, o que já haviam comprovado nos demais países, foi encontrado na Austrália. “Em rios mais escuros, que tem muita matéria orgânica, o DOC é mais reativo com membranas biológicas do que um de rios que não têm uma matéria orgânica tão escura e que não é tão reativo. A gente basicamente confirmou o que havíamos visto na Amazônia e no Canadá”.
Helen e Aleicia pretendem trazer esta pesquisa para a Baixada Santista, onde poderão estudar os riachos de água doce da Mata Atlântica e outros rios escuros da região. “Então, agora, a ideia é desenvolver com a Aleicia um projeto em conjunto (Brasil, representado pela Unisanta, e Austrália, representado pela La Trobe University) para realizar esse estudo aqui”, diz.
Em outubro, a pesquisadora australiana, dra. Aleicia Holland virá a Santos conhecer a Unisanta e segundo Helen, também, conhecer alguns rios da região, como rios da bacia de Itanhaém, que serão o foco desse futuro projeto. A ida da docente à Austrália começou a ser planejada no início de 2018 e foi consolidada no final do mesmo ano, quando a pesquisadora viajou no dia 18 de dezembro de 2018 e retornou ao Brasil, em 28 de janeiro de 2019. O projeto, assim como sua estada, foi financiado pelo governo australiano.