Dia Mundial do Meio Ambiente – Peixes: reflexões para uma vida saudável e consumo sustentável

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Matheus M. Rotundo, docente de Ciências Biológicas da Universidade Santa Cecília e curador do Acervo Zoológico (AZUSC/Unisanta), faz uma reflexão para o Dia Mundial do Meio Ambiente (5/6)*.

Antes considerados um recurso inesgotável, hoje os peixes são classificados como um recurso natural renovável, ou seja, se gerenciado adequadamente, não será esgotado. Embora diversos estudos demonstrem o decréscimo do estoque pesqueiro de diferentes espécies, ainda temos tempo de recuperar os danos causados e melhorar nossa qualidade de vida.

Assim como outros animais, existe diferença na abundância das espécies de peixes, logo, como pagamos pelo esforço do pescador em capturar o pescado, as mais abundantes são mais baratas em comparação às mais raras. Além disso, também devemos considerar o tipo de pesca necessário para a captura, pois algumas espécies vivem em ambientes específicos que necessitam de equipamentos especiais de custo mais elevado.

Peixe cabra Prionotus punctatus

Esta relação está mudando graças a conceitos conservacionistas para evitar o desperdício e os impactos ambientais. Uma crescente linha de comércio consciente em relação à sustentabilidade tem apresentado os “Peixes Não Convenvionais” (PENACOs), que geralmente são espécies abundantes (sem restrições de conservação), que representam uma importante opção econômica e gastronômica. Como cada região apresenta uma cultura típica, várias espécies de peixes considerados como PENACOs em uma região são conhecidas e comercializadas normalmente em outras. Aqui no litoral de São Paulo, alguns PENACOs que vêm ganhando destaque são os peixes cabra ou cabrinha, o peixe espada, o carapau, a caratinga, a corvina, a pirajica e os bagres. Os PENACOs são, além de uma boa experiência gastronômica, uma forma de conservação para espécies ameaçadas.

Pirajica Kyphosus vaigiensis

Outro problema é a venda ilegal de peixes ameaçados de extinção. No geral, as espécies ameaçadas são vendidas descaracterizadas, ou seja, sem que seja possível identificar a espécie como forma de burlar a fiscalização. Entre as espécies ameaçadas que mais são comercializadas estão os tubarões (cações), raias, meros e badejos. Esta prática não possibilita a prática do consumo consciente do ponto de vista ecológico, sendo esta uma vertente cada vez maior em vários países, inclusive no Brasil.

Pescadores e a conservação dos recursos pesqueiros
Embora muitas vezes os pescadores sejam acusados como sendo os principais causadores da diminuição dos estoques pesqueiros, sempre é importante lembrar que existem outros fatores que também causam danos ambientais e que afetam os peixes, como a poluição.
Poucas pessoas conseguem perceber que a ausência de saneamento básico, estações de tratamento de esgoto, ou mesmo a reciclagem de produtos podem afetar significativamente o estoque pesqueiro.

Assim como qualquer atividade profissional, existem pessoas preocupadas com a manutenção, enquanto outras, apenas com o lucro imediato. Esta também é uma realidade do setor pesqueiro, mas também devemos compartilhar a culpa com os maus profissionais, pois quem determina o que será comercializado são os consumidores. Muitas pessoas desconhecem as legislações que visam ao gerenciamento dos recursos pesqueiros, assim como das espécies ameaçadas, ou mesmo das áreas restritas para a atividade pesqueira. O consumo sustentável é uma realidade que impõe aos comerciantes o que deve ou não ser comercializado e a sociedade é responsável também por denunciar os maus profissionais.

O pensamento sustentável tem crescido dentro do setor pesqueiro, pois o decréscimo populacional de várias espécies de peixes comerciais tem afetado diretamente o lucro do setor. Diferente do que muitas pessoas e até mesmo pesquisadores acreditam, iniciativas de pesquisas participativas envolvendo os pescadores de diferentes categorias de pesca (artesanal, industrial e esportiva) vêm colaborando com o conhecimento sobre os recursos pesqueiros. Estas parcerias são de extrema importância devido aos elevados custos de obtenção dos peixes para a pesquisa e pelo conhecimento empírico dos pescadores, que vivem diariamente em contato direto com os recursos naturais.

Ainda são necessárias várias informações básicas sobre os peixes brasileiros, pois, sem elas, não é possível gerenciar adequadamente este recurso natural. Neste sentido, pescadores com a visão conservacionista que pretendem manter a atividade pesqueira a médio e longo prazo vêm colaborado com pesquisadores a fim de garantir a pesca sustentável. Embora muitas pessoas acreditem que a restrição da pesca é a única forma de gerenciar os recursos, várias outras formas são aplicadas e têm resultados significativamente importantes para a conservação, sem inviabilizar a atividade pesqueira.

No estado de São Paulo, uma destas iniciativas é o “Projeto Pró-Pesca: pescando o conhecimento”, desenvolvido desde o ano 2000 junto com pescadores e o setor pesqueiro em geral. O projeto já possibilitou a identificação de espécies desconhecidas pela ciência, assim como gerou dados básicos necessários para a avaliação do estado de conservação de diversas espécies de peixes pelos órgãos ambientais responsáveis, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Inicialmente direcionado para o estado de São Paulo, atualmente o projeto, coordenado pelo Acervo Zoológico da Universidade Santa Cecília, está presente em todas as regiões da costa brasileira, demonstrando que existem muitos pescadores interessados na manutenção dos recursos pesqueiros e que a pesca sustentável não é uma utopia, e sim uma questão de pesquisa, educação e políticas públicas adequadas.

Estamos em um mundo com informações disponíveis rapidamente e assim devemos nos atualizar para obter a melhor parte deste conhecimento. Devemos ser membros ativos de uma sociedade que vise ao desenvolvimento sustentável e à erradicação de maus hábitos. A qualidade de vida faz parte dos objetivos do desenvolvimento sustentável, assim como a proteção dos recursos naturais. Desta forma, os esforços devem ser por parte de todos, pescadores, piscicultores, pesquisadores, empresários e consumidores, pois, enquanto os esforços forem direcionados apenas a uma parte da cadeia, os resultados não serão obtidos com efetividade. Para tomar decisões, necessitamos de informações seguras e confiáveis.

*Matheus M. Rotundo é licenciado e bacharel em Ciências Biológicas (Biologia Marinha), Mestre em Aquicultura e Pesca, Doutor em Planejamento e Uso de Recursos Naturais. É docente das disciplinas de Bioecologia dos Peixes e Biogeografia no curso de Ciências Biológicas da Universidade Santa Cecília, curador do Acervo Zoológico (AZUSC), coordenador do “Projeto Pró-Pesca: pescando o conhecimento” e do Núcleo de Análises Socioambientais (NASA). Também é docente permanente dos Programas de Pós-Graduação em Auditoria Ambiental: gestão e conservação (PPG-AUDB) e em Sustentabilidade de Ecossistemas Costeiros e Marinhos (PPG-ECOMAR).