Há anos, ou melhor, há décadas, os integrantes das escolas de samba no Rio de Janeiro deixam a avenida com a certeza do dever cumprido, mas angustiados por conta do julgamento do seu desempenho. Afinal, como diz a sabedoria popular: “de bumbum de criança e cabeça de julgador dá para se esperar qualquer coisa”.
De seis anos para cá, porém, isso vem gradativamente mudando. E quem tem contribuído muito para isso é a professora santista Adriana Lucena, a Drika. Desde que assumiu uma cadeira cativa entre os julgadores da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), Drika, tem feito escola entre as superescolas.
Da Porto da Pedra a Acadêmicos do Salgueiro, passando pela Imperatriz, Beija-flor, Mangueira, Portela, Grande Rio etc, todos passaram a acreditar que poderia haver justiça no reino encantado da Sapucaí.
“Tenho contribuído para uma mudança, mas é preciso que se diga que isso não se deve só ao meu esforço, e sim a seriedade do trabalho da Liga Independente das Escolas de Samba, aprimorando os cursos oferecidos aos julgadores, com a escolha de pessoas capacitadas para exercer tal função e tudo com o aval de todos os presidentes das escolas que compõem a liga, eu sou apenas uma dessas pessoas envolvidas nesse trabalho”.
Ao mesmo tempo, Drika ressalta que “não dá para conceber que uma pessoa atribua uma nota sem levar em conta o esforço de uma legião de pessoas durante um ano inteiro. Você precisa justificar com toda a clareza e razão o porquê da perda daquele décimo. O empenho de cada componente da escola merece o nosso respeito. Não dá para julgar sem levar isso em conta”, destaca a professora da Faculdade de Artes e Comunicação (FaAC), da Universidade Santa Cecília (UNISANTA), de Santos.
Drika acaba de regressar do Rio de Janeiro, onde participou de mais um processo de reciclagem, envolvendo julgadores da Liesa. Para o Carnaval de 2010, mudança nos critérios fica por conta do aumento de quatro para cinco jurados por quesito e a exclusão da maior e da menor entre as cinco notas atribuídas a cada escola.
“Acredito que isso tenha concorrido de maneira positiva para uma avaliação mais justa do desempenho das escolas”, destaca Drika, que tem se mostrado criteriosa em suas avaliações.
Aumentará também para cinco o número de cabines de julgamento ao longo da Marques de Sapucaí. Assim, os desfiles continuarão ocorrendo com um máximo de 82 minutos, como foi experimentado no ano passado, a fim de permitir que as apresentações diante das novas cabines não atrasem as escolas.
Já o intervalo das notas atribuídas pelos julgadores passou de 7,0 a 10 dos anos anteriores para 8,0 até a nota máxima (10,0), neste ano.

EM PERFEITA SINTONIA – Em 2009, mesmo se atendo especificamente ao seu quesito (fantasia), a professora santista atribuiu notas que se adequariam perfeitamente ao desempenho global das escolas. Escolas como Acadêmicos do Salgueiro e Beija-Flor, que tiveram nota dez em sua avaliação, obtiveram as primeiras posições, enquanto Império Serrano e Padre Miguel, com perda significativas de décimos em seu julgamento, acabaram rebaixadas (Império) ou quase (Padre Miguel).
“Como julgadora tenho que me ater ao que o meu quesito exige da escola e do carnavalesco, sem levar em conta quaisquer outros aspectos”, afirma. Ela apenas salienta que é preciso sempre usar o bom senso. ”Você não pode penalizar uma escola por um fato isolado. Digamos que em determinada ala, em meio ao desfile, um componente perca seu calçado ou chapéu. Isso não implica em descontar pontos. Já em uma situação que envolva um número significativo de componentes a situação é diferente”, justifica.
Drika começou a se envolver com o julgamento das escolas de samba na década de 90, ainda em Santos. “Em 1996, fui jurada em Santos, qualificando-me entre os 40 melhores de um grande número de candidatos. Nos anos seguintes, atuei em outras cidades da região. Tomei gosto pela coisa e comecei a buscar um lugar onde considero ter o maior desfile de escolas de samba do mundo, o Rio de Janeiro.
Indaguei das pessoas responsáveis, enviei currículo e, finalmente, despertei interesse da Liga. Fui chamada para o primeiro curso e, desde então, tenho buscado me aprimorar naquilo que faço como julgadora da Liesa”

DESMISTIFICANDO – A ordem do desfile das escolas ocorre por sorteio, destacando-se apenas que as ascendentes (vindas do Grupo de Acesso) abrem os desfiles e a campeã do ano anterior tem o direito de ser a última a desfilar. As agremiações, por comum acordo, podem inverter entre si a ordem de desfile.
Tudo isso é burocracia. Mas existe um mito de que a primeira a desfilar é séria concorrente ao rebaixamento. Fala-se em “avenida fria”, “pressão psicológica” e, sobretudo em falta de parâmetro por parte dos jurados. Afinal, não se tem como atribuir uma nota do ponto de vista comparativo.
Drika, porém, coloca um ponto final neste mito. “As notas não são atribuídas tão logo a escola deixa a dispersão (área subsequente ao desfile regulamentar). Encerrado o desfile de segunda-feira (segundo dia), nós, os jurados, ficamos no Sambódromo por mais uma hora e meia ou mais, revendo as anotações e passando para a planilha as notas finais”.
A experiente julgadora da Liesa ressalta ainda que o profissionalismo que permeia o carnaval carioca permite que os carnavalescos levem em conta um infinito número de fatores no desenvolvimento de seu trabalho. “Na confecção das alegorias e sobretudo fantasias eles levam em conta a possibilidade de intempéries de maneira que sua escola seja o Maximo possível minimizada diante da ocorrência de chuvas. Tudo tem que estar dentro do previsto. Até mesmo a conjunção do brilho e cores das fantasias com o horário do desfile. Existe um horário pré-estabelecido, mas mesmo isso é sujeito a alterações de última hora”, ressalta.

NOTA DEZ – As notas atribuídas por Drika Lucena, no quesito fantasia, às 12 escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2009 lhe conferem uma avaliação “Nota Dez”, no concurso organizado pela Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa).
Com base na competência e na experiência de muitos anos de Carnaval, Drika avaliou de maneira exemplar o trabalho dos carnavalescos, quanto às fantasias. Ela atribuiu nota máxima às cinco primeiras colocadas (Salgueiro, Beija-Flor, Portela, Vila Isabel e Grande Rio, em ordem decrescente).
A 12º. e última colocada (rebaixada ao Grupo de Acesso), a Império Serrano, mereceu por parte de Drika a nota mais baixa (9,7), enquanto as escolas classificadas entre o 6º e o 11º. lugares receberam entre 9,9 (6ª. 7ª. 9ª.) e 9,8 (8ª. 10ª. e 11ª.).
Drika ocupou lugar no Módulo 3, tanto no domingo (22), como na segunda-feira (23). Além dela, julgaram o quesito fantasia Paulo Paradela (Módulo 1), Regina Oliva (Módulo 2) e Marcelo Marques (módulo 4).
No quesito fantasia, entram em julgamento as fantasias apresentadas pela Escola, com exceção das que estiverem sobre as alegorias, as fantasias do casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira e a fantasia da Comissão de Frente.
Conforme o regulamento, para conceder notas de sete a 10 pontos, o julgador deve considerar a concepção e a adequação das Fantasias ao Enredo, as quais, com suas formas, devem cumprir a função de transmitir as diversas partes do conteúdo desse Enredo; a capacidade de serem criativas, mas devendo possuir significado dentro do Enredo; a impressão causada pelas formas e pelo entrosamento, utilização, exploração e distribuição de materiais e cores; os acabamentos e os cuidados na confecção;
Ainda devem observar a uniformidade de detalhes, dentro das mesmas Alas, Grupos e/ou Conjuntos (igualdade de calçados, meias, shorts, biquínis, soutiens, chapéus e outros complementos, quando ficar nítida esta proposta).
Devem penalizar (tirar pontos), na ausência significativa de chapéus, sapatos e outros complementos de Fantasias, quando ficar nítido que a proposta era originariamente com a presença desses elementos das indumentárias. Mas não devem levar em consideração a inclusão de qualquer tipo de merchandising (explícito ou implícito) em Fantasias; a presença de desfilantes com a genitália à mostra, decorada e/ou pintada; a quantidade de Diretores com camisas da Escola, desde que desfilem pelas laterais ou na parte final da Escola e questões inerentes a quaisquer outros quesitos.