Às 16h do último sábado (29/05), aconteceu remotamente o primeiro evento de retomada da Semana de Arte Transmoderna de 22 da Baixada Santista, que celebra o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 por meio de várias iniciativas. O “Café 22 – Do Moderno ao Transmoderno” reuniu diversas personalidades proeminentes do cenário cultural regional e nacional em um bate-papo muito conclusivo sobre as importâncias e prioridades do setor artístico brasileiro.

O evento, transmitido pelo canal do Youtube da Unisanta e mediado pelo jornalista e cineasta Eduardo Ricci, começou com as congratulações e palavras de apoio da alta cúpula administrativa da Universidade Santa Cecília.

Lúcia Teixeira, presidente da Unisanta, ressaltou o papel que as universidades devem exercer no fomento cultural. “A Unisanta e todos nossos parceiros pesquisadores, professores, intelectuais e artistas têm um papel muito importante. Temos aqui na Unisanta o Centro de Estudos Pagu, que fala um pouco desta trajetória, não apenas da Patrícia Galvão, como daqueles que conviveram e fizeram esse período”, lembrou a educadora.

A reitora da Unisanta, Sílvia Teixeira, destacou a importância da tecnologia na democratização do acesso à cultura. “Que haja essa oxigenação de valores, talentos e usos da nossa cultura e também um olhar sobre aquilo que acontece hoje, aproveitando tantas influências tecnológicas”, comentou a reitora.

Marcelo Teixeira, pró-reitor da Unisanta, também destacou a importância de um evento como o Café 22 e parabenizou os organizadores. Ele também lembrou que, neste ano, o Cineclube Lanterna Mágica, idealizado pelo moderador do evento, Eduardo Ricci, completa coincidentemente 22 anos de existência. “Nós da Unisanta estamos sempre motivando a área cultural na nossa região no Brasil e para o mundo”, salientou o pró-reitor.

O próximo a falar foi um dos idealizadores da Semana da Arte Transmoderna, o jurista e representante do Fórum da Cidadania, Sérgio Sérvulo da Cunha. Sérvulo fez um belo tributo ao outro idealizador do projeto, Célio Nori, falecido recentemente em decorrência da Covid-19. “Em outras circunstâncias, ele (Célio) que estaria aqui em meu lugar abrindo esta comemoração do centenário da Semana de 22”, comentou Sérvulo.

Depois dessas falas introdutórias, Ricci encaminhou o começo dos “painéis” do Café 22, que foram divididos em exposições relativamente curtas dos participantes e terminou com uma conversa aberta a todos, inclusive com interação dos espectadores, por meio de perguntas.

A artista e professora universitária Ana Kalassa El Banat foi a primeira participante a se apresentar. Ela fez uma concisa contextualização da Semana de Arte Moderna de 1922, trazendo à tona os precedentes e as características sociais que viabilizaram um evento como a SAM. Além de valorizar o caráter revolucionário do evento, Ana evidenciou algumas contradições na semana do século passado e destacou características que não podem ser reproduzidas na Semana de Arte Transmoderna. Segundo ela: “A afirmação da cultura como qualidade de vida e sua relação necessária com políticas públicas é o que se deve entender neste momento”.

A segunda participante a falar foi a arquiteta e coordenadora técnica do Museu do Café, Marcela Resek Calixto, que destacou em sua exposição a importância do café para a Semana de 1922 e o desejo, por parte da elite cafeeira paulista, de difundir uma imagem de São Paulo como “a grande locomotiva do país”.

Marcela também expôs algumas dicotomias no cenário cultural daquela época, exemplificando o raciocínio com obras artísticas e arquitetônicas contemporâneas, como o edifício da Bolsa Oficial de Café, em Santos, construída com um estilo eclético, e a Casa Modernista da Rua Itápolis, em São Paulo, que rompe radicalmente com os estilos vigentes. Por fim, a arquiteta exaltou as lideranças femininas no movimento modernista, em especial a figura de Tarsila do Amaral e Olivia Guedes Penteado, que, mesmo com perfis diferentes, foram essenciais para os acontecimentos.

O terceiro convidado a falar foi o escritor e jornalista Flávio Viegas Amoreira, que iniciou agradecendo à Unisanta pela participação e homenageando Célio Nori. Viegas definiu cuidadosamente o conceito de transmodernidade: “Esse é um conceito muito contemporâneo […] depois de cem anos da Semana de Arte Moderna, que, apesar de vanguardista, tinha um viés elitista intrínseco, nós precisamos transcender o conceito Oswaldiano de: ‘levar o biscoito fino às massas’. Ao contrário, depois de cem anos, nós temos ex-periferias, e hoje o centro da produção das artes brasileiras são as antigas periferias. […] Nós temos hoje que trabalhar com esse conceito de transmodernidade ouvindo, lendo, interagindo em uma interlocução visceralmente democrática com todos os agentes de produção cultural do Brasil”.

Viegas ainda destacou vários personagens importantes no cenário artístico brasileiro do século XIX e XX, como o “subestimado” Lima Barreto, Machado de Assis, João do Rio, o “paradoxal” Monteiro Lobato, os cineastas Humberto Mauro, Lima Barreto e Glauber Rocha, os fundadores da Tropicália, Plínio Marcos, Zé Celso Martinez Corrêa, entre outros que foram citados para reforçar a ideia de necessidade da ampla interação cultural no Brasil, com “protagonismo múltiplo e sem uma hierarquia fossilizada”.

A última exposição individual foi feita por dois representantes (Taynara Dias e Dener Marcos Xavier) do Instituto Família Chegados, comunidade de fomento cultural e apoio social que atua na Vila Margarida e México 70, bairros periféricos de São Vicente.

Dener iniciou contando sua trajetória pessoal como um homem da periferia que, a partir de oportunidades de viagem e contato com outras culturas, se viu inspirado a tornar a Vila Margarida, seu bairro natal, mais socialmente consciente por meio de iniciativas culturais. “Vila Margarida hoje é o bairro mais rico do mundo pra mim”, afirmou Dener, trazendo à tona o conceito de produção e valorização artística “Glocal” (local e global, simultaneamente).

Taynara Dias complementou a fala de seu companheiro de causa citando algumas iniciativas do Instituto Chegados, como a Favela Fashion Dique (evento sobre autoestima entre crianças e jovens) e o Projeto Meeting (iniciativa para difundir o ensino de línguas estrangeiras). Taynara ainda ressaltou a importância da difusão e consumo das criações culturais periféricas: “Hoje temos orgulho de trazer nossos amigos estrangeiros para conhecer nossa quebrada. […] É importante que as pessoas que estão no centro consumam o produto de periferia”.

Depois disso, antes do início da parte mais interativa do Café 22, Eduardo Ricci transmitiu um trailer da animação Tarsilinha, que deve ser lançado ainda neste ano. O filme brasileiro de aventura é dirigido por Kiko Mistrorigo e Celia Catunda e abarca os conceitos do movimento modernista brasileiro.

Durante o momento de bate-papo e perguntas dos espectadores, questões importantes foram tratadas. Flavio, por exemplo, homenageou o trabalho realizado pelo Instituto Chegados. “Não existe nada mais subversivo e revolucionário do que arte”, comentou o escritor.

Ainda foram compartilhadas as expectativas para o setor cultural no importante ano de 2022. Marcela Rezek ressaltou que será preciso trazer questões de gênero, raça, etnia e todos os critérios que têm sido “gritados” ultimamente. “Transmoderno é quebrar tudo isso e construir um futuro melhor coletivamente”, comentou a coordenadora do Museu do Café.

Por fim, os participantes do Café 22 fizeram suas declarações finais. Eduardo Ricci deixou uma pequena provocação em forma de pergunta: “Qual é o destino do Brasil no processo de modernização?”. Ana Kalassa El Banat fez uma fala emocionante sobre a situação pandêmica em que vivemos e a necessidade de, ao fim destes tempos sombrios, ocupar os espaços urbanos com criatividade, coletividade, democracia e humanismo.

Marcela Resek Calixto se pôs a disposição como mediadora de diálogos entre o Museu do Café e o Instituto Chegados, sobre o qual também fez comentários elogiosos. Flávio Viegas Amoreira ressaltou a prioridade para a Semana de Arte Transmoderna: dar espaço às minorias. Além disso, ele fez um último elogio à Unisanta: “O casamento entre a universidade e o além-dos-muros da universidade já é, por si só, um movimento transmoderno de altíssimo valor social”.

Taynara Dias e Dener Marcos Xavier, representantes do Instituto Chegados, se definiram orgulhosos com a participação no evento. Taynara comentou: “Nos sentimos valorizados com este espaço. Nossa quebrada está aberta para todos vocês. As pessoas estão carentes por uma escuta ativa” e Dener complementou: “Meu sonho transmoderno é que todos vivam do seu talento”.

O Café 22- do Moderno ao Transmoderno se encerrou com a foto de Célio Nori, uma bela homenagem ao companheiro recentemente falecido.