O Jornal Correio Brasiliense, de Brasília – DF, publicou ontem (23/7) o artigo Direção patética, de autoria do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UNISANTA, Adilson Luiz Gonçalves.
Leia na íntegra o artigo do professor:
Direção Patética
Creio que a maioria deve lembrar de um desenho da Disney no qual o Pateta era um pacato cidadão que, ao sentar-se ao volante de um automóvel, transformava-se num autêntico demônio: agressivo e explosivo, capaz de atitudes tão imprevisíveis quanto temerárias. É uma das melhores e mais realistas sínteses de comportamento humano contemporâneo que já vi, apesar do tom irônico da narrativa e das próprias características do personagem!
É certo que somos um emaranhado de instintos e sentimentos, que tentam conviver com um mínimo de equilíbrio entre a emoção e a razão – não fosse isso talvez ainda estivéssemos na Idade da Pedra -, mas o mecanismo do relacionamento: ser humano x máquina ainda é um mistério que desafia os especialistas.
Na maioria dos casos, não é fácil identificar o motivo dessa agressividade; talvez seja uma reação orgânica ligada a um sensível aumento de adrenalina no organismo; mas alguns espécimes, em vez de exercitar o autocontrole, testam, perigosamente, limites. Assim, a maneira como dirigem seus veículos poderia ser qualificada como intempestiva. Eles pensam que são bons motoristas, com suas ultrapassagens arriscadas, fechadas gratuitas, costuradas, proximidade excessiva e desafiadora, arranques ruidosos e freadas abruptas; mas, só não provocam mais acidentes graças aos que antecipam suas barbaridades.
Uma vez, viajei com um conhecido, que tinha um Jaguar. Ao ver que ele conduzia o veículo com velocidade bem acima da permitida para a rodovia, perguntei-lhe se ele não temia algum problema: como multas, por exemplo. Para minha surpresa, ele respondeu que aquele carro era um sonho antigo, que não tinha preço!
O curioso é que esse tipo de conduta é característica de uma adolescência ou libido mal-resolvidas. Aliás, é nessa fase que os menos estruturados adquirem a maioria dos vícios e consolidam seu mau caráter. Para os homens, principalmente, a posse de um carro é quase um símbolo de virilidade; em casos extremos, há os que medem sua “capacidade intelectual”, “coragem” e sexualidade pela quantidade de cavalos do motor. Antes, eram “juventude transviada”; hoje, são “velozes e furiosos”. No fundo, são pessoas inseguras, com sérios problemas de auto-afirmação.
Grande parte da culpa cabe aos pais, que entregam “máquinas” possantes nas mãos de filhos que não sabem educar, transformando-os em assassinos em potencial: inconseqüentes e sem nenhum respeito ao próximo; que acreditam, com sua condução “intrépida” e “rachas” irresponsáveis, ser novos “Ayrton Senna”, só que protegidos das conseqüências de seus atos por “gordas” contas bancárias, que financiam a impunidade e corrupção. O original, pelo menos, corria no lugar certo e quando ultrapassou seu limite morreu só, sem causar a morte ou invalidez de ninguém. Pelo contrário, ainda deixou uma fundação que ajuda a salvar vidas!
Felizmente, para alguns, essa fase passa ao chegar na fase adulta; mas para outros, perdura pela vida inteira, com seqüelas irremediáveis para inocentes.
Agora, imaginem quando essa simbiose: ser humano x máquina – complexa e “química”, por princípio – é “aditivada” com drogas e álcool, qualquer que seja a idade? Os cavalos do motor, o “quadrúpede” ao volante e combustíveis de alta octanagem abastecendo ambos… É nitroglicerina pura!
Só que as estatísticas mostram que as vítimas dos que se excedem na forma de dirigir – associada ou não ao consumo de álcool e substâncias entorpecentes, sejam eles “mauricinhos” mal-educados, “brucutus” socialmente deslocados ou pacatos cidadãos temporariamente “possuídos” – sobrevivem, de forma dramática e traumática, aos acidentes por eles provocados.
Vidas ceifadas, vidas truncadas, imitações de vida e limitações de vida! Tudo por conta de um “estilo de vida”!
Nosso trânsito, que já era caótico e estressante, agora é, também, “patético”, com duplo sentido!
Não sou, em princípio, adepto de “terapias de choque”, mas creio que a obtenção e renovação das licenças de motoristas deveriam ser precedidas de uma seção de fotos, documentários e estatísticas sobre acidentes de trânsito e suas vítimas. Talvez assim, antecipando os efeitos, refrearemos as causas.