Graças ao projeto da profissional de Educação Física, 780 tampas de garrafas coletadas na praia durante o Carnaval, estão sendo transformadas em protótipos de pranchas do tipo handboard.
Com o objetivo de utilizar a tecnologia de reciclagem mecânica e estimular a prática esportiva, Letícia Parada, formada em Educação Física e mestre em Ecologia, ambos pela Universidade Santa Cecília (Unisanta), está realizando um projeto de pesquisa de doutorado em Ciência e Tecnologia Ambiental nesta mesma instituição, orientada pela Profa. Dra. Helen Sadauskas-Henrique (LEBIO-Unisanta).
Em 2020, foi finalista em um evento de inovação junto com outros dois colegas, propondo a ideia de produzir handboard (pranchas de mão) e outros artigos esportivos como forma de reaproveitamento do plástico. Ao recolher plásticos encontrados nas praias da região, Letícia leva o material para os laboratórios de Mecânica dos Solos e de Materiais de Construção Civil da Faculdade de Engenharia Civil da UNISANTA, onde realiza o processo de reciclagem mecânica, transformando os plásticos outrora expostos no meio natural em handboards para a prática de bodysurf. A aluna de doutorado conta com o auxílio de Caio Reis, engenheiro civil e mestrando em Ciência e Tecnologia Ambiental, ambos pela Unisanta.
O projeto tem ainda como objetivo desenvolver uma metodologia de educação ambiental, além de estimular a percepção ambiental de frequentadores de praias brasileiras, perante a situação problemática do plástico descartado nestes ambientes.
Ainda sobre isso, Letícia destaca: “Eu trago aqui o esporte como instrumento de engajamento e conexão humana com esse problema, que é o plástico, e a prancha de mão é uma das ferramentas para isso. Como outros objetivos da minha tese, estou levantando padrões de comportamento de usuários de praias brasileiras, padrões de comportamento tanto de indivíduos esportistas como não esportistas. E utilizo a praia do Sangava (Guarujá, SP) como um Estudo de Caso para avaliar a influência das estações do ano, assim como as características meteorológicas, na presença dos tipos de lixos plásticos e tempo de envelhecimento destes, via espectroscopia Raman. Esta análise também está sendo realizada na Unisanta com auxílio do Prof. Dr. Landulfo Silveira Junior.
Como uma grande amante de tecnologia, inovação e esportes, Letícia tem a consciência dos imensuráveis benefícios proporcionados pela prática esportiva em ambientes costeiros, desde a saúde mental até a física, todavia, do mesmo modo, ela tem o discernimento de que essas modalidades são afetadas pelo plástico.
Inspiração
“Eu morei em Fernando de Noronha, em 2019, por 6 meses quando fui voluntária do Parque Nacional. Eu surfo, pego onda com essas pranchinhas de mão faz muito tempo, tenho um canal de divulgação do esporte no YouTube, além de compartilhar conteúdos no meu Instagram. Já viajei para vários lugares no Brasil e no mundo para surfar e conhecer outros bodysurfers. Em 2018, quando estava fazendo um mochilão na Europa, um amigo francês me enviou uma prancha que ele fez de plástico. E ele me disse que metade do plástico presente naquela prancha foi encontrado na praia. Eu achei muito legal porque é um problema emergente que está na nossa cara, já que é o plástico no ambiente natural, que foi transformado em uma prancha”.
“Eu fiquei muito curiosa quanto a isso, busquei me informar e acabei descobrindo que muitos objetos estavam sendo feitos a partir do reaproveitamento de plásticos, como azulejos, bancos, mesas e etc. Como Noronha sofria e ainda sofre seriamente com a chegada de plásticos por meio de correntes oceânicas, eu e outra voluntária do Parque Nacional começamos a escrever um projeto sobre esse tema para submetermos a alguma instituição, com o intuito de obter recursos financeiros para atuarmos na prática em Noronha.” Contudo, a proposta apresentava-se diferente da contemporânea. Sua finalidade era incentivar a economia local, incitando a compra destes produtos em Noronha, exercendo benefícios à comunidade local e à escolinha de surfe.
Evento de Inovação
Em 2020, durante a pandemia, uma nova proposta surgiu e desta vez foi submetida a um prêmio de inovação. “Um dos meus colegas que participou junto comigo nesse evento praticava bodysurf também, e eu comentei que não tinha conseguido colocar o projeto em prática em Fernando de Noronha, mas queria muito trazer à tona novamente a proposta de se reaproveitar plásticos. Então, ele falou que aconteceria um evento de inovação e que empresas julgariam os trabalhos submetidos dos alunos. Decidimos traçar uma proposta diferente da de Noronha e mandamos para o evento.”
Doutorado na Unisanta
No começo de 2022, Letícia soube do edital de bolsas de Doutorado na Universidade. Dessa maneira, um pré-projeto foi escrito, onde se estabeleceu a problemática do plástico apontando o esporte como uma ferramenta de engajamento, transformando plásticos encontrados na praia em pranchas de mão (handboards), realizando o mapeamento de resíduos com a intenção de entender como estes alcançam o ambiente natural. Juntamente, é pretendido desempenhar ações de educação ambiental através da prática de esporte, compartilhando conhecimento em ONGs, dentro da própria universidade, escolas particulares e públicas, entre outras instituições, levando a ciência para além do laboratório.
“Reciclar plásticos para confeccionar pranchas de mão é algo que já vem sendo praticado no mundo há anos, inclusive no Brasil. Chaveiros, bancadas, mesas, cadeiras, até mesmo violão, são objetos que já são feitos reaproveitando plásticos, principalmente de pós-consumo, ou seja, plásticos que iriam naturalmente para os lixos de nossas casas. Mas cabe ressaltar que as handboards que produzo são compostas 100% por plásticos retirados da praia. O segundo ponto é que o meu projeto é muito amplo, engajando as pessoas através de ações práticas diversas, associando o esporte como instrumento de educação ambiental para se obter resultados efetivos, pois sabemos que a solução para este problema não se limita a reciclar plástico, mas sim frear a produção, reduzir o consumo, reutilizar e conscientizar pessoas a todo momento”.
Atividade
Em virtude de atividades industriais, as quais enfatizam a máxima produzir-usar-descartar, o número de plásticos que alcançam os oceanos cresce cada vez mais. Devido ao fato de bilhões de animais marinhos serem impactados anualmente, podendo morrer por ingestão acidental, sufocamento, aprisionamento parcial ou total dos corpos, afora transferirem plástico para outros níveis tróficos por cadeia alimentar, a poluição plástica é considerada uma ameaça em escala mundial. Além da qualidade da água ser afetada, perdas econômicas no que diz respeito às atividades recreativas, comerciais e turísticas são observadas devido a interferência do plástico nas paisagens, e claro, impactos negativos à saúde humana.
Outro recurso que abrange o projeto de pesquisa de doutorado de Letícia Parada se deu em razão da ausência de ferramentas pedagógicas para se abordar a educação ambiental na educação básica. Diante disto, uma caderneta de campo específica está sendo elaborada, a qual tem a função de auxiliar na propagação da cultura oceânica e adequar-se como material educacional de apoio às escolas de educação básicas, projetos sociais, ONGs e etc. A caderneta de campo é composta por atividades teóricas e práticas, com enfoque na cultura oceânica e também no esporte, envolvendo conteúdos sobre a fauna, flora, hidrologia, relevo, patrimônio material e imaterial.
“Estou fazendo um levantamento nacional do comportamento de pessoas que frequentam a praia para entender o que elas pensam e identificam acerca dos resíduos que encontram nesse ambiente. Ou seja, com qual tipo de resíduo elas mais se deparam, a quem elas atribuem a responsabilidade deste problema e outras questões. Dentro deste questionário, há uma segunda parte que foca na relação dos praticantes de esportes com a praia, analisando se eles têm uma percepção diferente, quer dizer, se o comportamento de quem pratica esporte, em relação ao oceano e a praia, é diferente. O projeto como um todo é inédito.”