No último dia 04 de agosto, o mundo todo voltou seus olhos para o Líbano onde uma enorme explosão em um armazém portuário devastou a capital Beirute, deixando quase duas centenas de mortos e cerca de 4 mil feridos, além de prejuízos materiais inestimáveis. O docente do curso de Engenharia Química da Unisanta, Dr. Silvio José Valadão Vicente, discorreu sobre o assunto, traçando paralelos com a realidade logística do Porto e da cidade de Santos.
Segundo Vicente, bacharel em Química, mestre e doutor pela USP na área de Saúde Pública, os riscos que o nitrato de amônio ou NH₄NO3 oferece e a necessidade de cuidados extremos na fabricação, uso, transporte, manuseio e armazenamento deste composto químico já são de conhecimento amplo: “Se ele entrar em contato com alguns produtos orgânicos, mesmo os que aparentemente não ofereçam riscos como açúcar, farinha de trigo, óleo ou serragem, poderá causar reações descontroladas, incêndios, explosões e geração de fumos que são as fumaças geradas no incêndio, altamente nocivas à população do entorno”.
O docente destacou que o nitrato de amônio explode em temperaturas acima de 210°C, produzindo óxidos de nitrogênio (fumaça marrom-alaranjada vista na explosão de Beirute) e amônia, ambos altamente tóxicos. Como exemplo do perigo deste composto, o mesmo foi utilizado em mistura com óleo diesel como explosivo no atentado terrorista às torres gêmeas do US Trade Center em 2001, que vieram abaixo anos mais tarde com o choque dos aviões.
No Líbano, tudo começou com um incêndio em um armazém próximo a uns silos de trigo do porto. Por volta das 12 horas no horário de Brasília (18 horas em Beirute), uma primeira explosão foi ouvida na capital do país. Logo em seguida, outra muito mais potente ocupou os céus da cidade, provocando mortes e destruição em um raio muito amplo, sendo sentida até na ilha de Chipre, localizada a mais de 200 quilômetros de Beirute. O choque produzido, segundo dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos, gerou ondas sísmicas semelhantes às produzidas por um terremoto de magnitude 3.3 na escala Richter.
Segundo Vicente, frequentemente são cometidos erros nas condutas logísticas adotadas para os produtos perigosos, inclusive no Brasil: “A estratégia principal deveria ser eminentemente preventiva, uma vez que as propriedades e características destes produtos químicos já são amplamente conhecidas no meio científico e temos informações suficientes para garantir implantações de depósitos, fábricas e vias de transporte seguras, que não ofereçam riscos ao meio ambiente e à população”.
Considerando os tristes ensinamentos da tragédia libanesa e aplicando-os para a realidade portuária santista, o docente da Unisanta relembrou a ocorrência de incidentes (felizmente de menores consequências) na zona portuária de Santos e fez considerações sobre a segurança. “Uma situação que deve ser analisada com bastante atenção e seriedade é o novo Plano de Zoneamento para o Porto de Santos, que vem sendo mencionado na mídia, com a futura concentração de insumos para fertilizantes (que incluem o nitrato de amônio) em região muito próxima da zona urbana (cerca de 100 metros). Essa concentração de insumos para fertilizantes, se sofrer algum tipo de sinistro, fatalmente e infelizmente afetará a população em função das nuvens de fumaça tóxicas que poderão atingir a população próxima, além da onda de choque de possível explosão”.
Vicente também mencionou as operações na Ilha Barnabé, pela proximidade que não é suficiente para neutralizar os riscos: “Caso ocorra algum incêndio de grandes proporções, os fumos gerados poderão alcançar a zona urbana, a qual ficará dependendo da sorte dos ventos estarem soprando na direção desabitada.” O químico ponderou que a instalação de uma zona de armazenagem de produtos químicos perigosos como os fertilizantes no Porto de Santos deveria ser em um local mais distante e adequado.
Por fim, o professor define “seriedade” como a palavra-chave nas condutas logísticas para armazenar compostos perigosos como o potencialmente mortal nitrato de amônio: “Temos o conhecimento e temos que aplicá-lo adequadamente”. Vicente afirma que em qualquer caso, “a química deve ser sempre encarada de modo preventivo”.
Voltando ao caso de Beirute, o governo libanês atribuiu a tragédia ao armazenamento indevido de 2.750 toneladas do fertilizante NH₄NO3 e determinou prisão domiciliar das autoridades responsáveis pelas operações de armazenamento do porto, sem dizer quantos são. Segundo o veículo Al Jazeera, o material teria chegado ao país em 2013, vindo da Geórgia e sendo descarregado em local inadequado por problemas mecânicos no navio.
O Líbano já recebeu ofertas de ajuda de diversos países, incluindo o Brasil, e a capital Beirute permanecerá em estado de emergência por, pelo menos, duas semanas.
O impacto dessa tragédia será devastador para o Líbano, um país que é dividido pela religião e pela política e vive uma das maiores crises sociais e econômicas de sua história, potencializada pela pandemia da COVID-19. O Banco Mundial estimou recentemente (antes da tragédia) que 75% da população libanesa precisará de ajuda para sobreviver em um futuro próximo. A destruição do Porto de Beirute, a principal via de entrada de cargas do país, que importa grande parte dos alimentos consumidos no país, deixará o povo libanês em uma situação ainda mais drástica.