A conquista da vaga para as olimpíadas surpreendeu muitos, menos seu técnico Márcio Latuf. Foi dele o grito mágico durante um treino em que ela se mostrava insegura: “Essa vaga olímpica é sua, você vai para as Olimpíadas, senão eu não entendo nada de natação”.
Gabrielle Gonçalves Roncatto tem apenas 17 anos, mas possui currículo de gente grande. Dona de diversos títulos nacionais, a nadadora da Unisanta, que se classificou para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, também detém conquistas em âmbito internacional, como a medalha de ouro no Campeonato Sul-Americano Juvenil de Natação, com quebra de recorde nos 100m livre, em 2015, e a prata nos Jogos Pan-Americanos de Toronto nos 4X200m livre, no mesmo ano. Além de ser tetracampeã do Chico Piscina. Ninguém nunca tinha conquistado quatro anos a mesma prova, e Gabi venceu nos 100m peito feminino juvenil (2011 a 2014).
Em seu histórico, há 35 participações em campeonatos internacionais, com 16 medalhas de ouro e três de prata; 251 participações em campeonatos nacionais, com 67 medalhas de ouro, 32 de prata e 20 de bronze, 18 quebras de recorde.
Hoje uma das melhores nadadoras brasileiras da atualidade e também a mais jovem do time da natação que representará o País nas Olimpíadas, naturalmente Gabrielle teve que começar cedo sua trajetória. Os primeiros ‘nados’ da carreira foram dados na Unisanta, quando estudava no Colégio Santa Cecília. Ficou algum tempo em São Paulo, mas retornou à Universidade, no começo de 2016.
Gabi, como é popularmente chamada, de certa forma foi influenciada por seu irmão Matheus Roncatto a entrar no esporte. Ele treinava na Unisanta, enquanto a futura atleta olímpica, então com sete anos de idade, o observava. Até que um dia sua mãe sugeriu que ela também começasse a praticar o esporte. E, a partir daí, nunca mais parou.
O primeiro treinador – Claudio Paz foi o primeiro treinador da vida de Gabrielle Roncatto, no mirim. Embora a tenha treinado há pouco mais de dez anos, ele se recorda muito bem da atleta. “Ela era exatamente o que é hoje. Determinada, nadava muito bem, se aplicava nos treinos, educada, não faltava e gostava muito de nadar. Tudo o que ela é hoje é fruto do seu empenho e determinação. Você vê que ela é uma menina que não se distrai, treina focada e, ao mesmo tempo, não fica fazendo coisas extras, brincando, virando noite. Ela se empenha muito”.
A admiração que Claudio sente por Gabrielle é recíproca. A atleta, hoje, reconhece que não seria o que é se não fossem os ensinamentos de seu primeiro treinador. “Foi como um pai para mim. Desde pequena, ele me acolheu e sempre foi me ensinando muita coisa na natação, muita coisa que eu acabei até levando para minha vida”.
Sorridente, a atleta lembra também de como eram seus treinamentos com Claudio. “Nos treinos ele sempre me mostrava a forma certa de agir em cada situação, diariamente. A gente até brigava bastante porque eu queria treinar mais ele não deixava (risos)”.
Desde os primeiros anos na natação, pela Unisanta, Gabrielle sempre foi competitiva. Participava de diversas provas e, quase sempre, conseguia obter bons resultados – o maior de todos foi no Multinations, em 2013, quando terminou vencedora. Um ano se passou na natação do clube santista, até que Gabi resolveu buscar outros desafios. No ano de 2011, quando ainda nadava o Infantil I, ela saiu do clube, para acompanhar sua família que se mudaria para São Paulo. Passou então a nadar no Pinheiros.
Em São Paulo – Gabrielle faria história por lá. Antes, no entanto, passou por dificuldades. Seu período de adaptação na nova cidade, a maior da América Latina, não foi dos mais fáceis. “Foi um ano muito difícil. Fui apenas com meu pai e irmão, e sempre fomos uma família unida. Senti muita saudade da minha mãe e irmã, mas, ao mesmo tempo, minha avó e avô me acolheram muito bem. Voltava para Santos apenas no final de semana, e era muito desgastante. Acordava sempre 5h da manhã para treinar, e depois ia para a escola. O clube era longe de minha escola, e eu tinha que pegar ônibus para o clube. Ficava tanto na rua que só voltava para casa às 21h. Foi um ano realmente puxado”.
Apesar da dificuldade para se adaptar no Pinheiros em seu primeiro ano de clube, foi lá onde Gabrielle ficaria os próximos quatro anos e meio. E também onde consolidaria seu nome entre os grandes da natação brasileira. No clube foi a única nadadora da história a ganhar a mesma prova no Chico Piscina quatro vezes seguidas. Conseguiu, também, sua primeira medalha em campeonatos absolutos, além do título internacional dos Jogos Sul-Americanos (2014) e a prata no Pan-Americano (2015).
A volta à Unisanta – Perto do final de 2015, Roncatto retornava à Unisanta, seu clube formador. E as coisas começaram a melhorar gradualmente. E, mais tarde, um presente considerado até inesperado: a vaga olímpica. Seu desânimo foi solucionado com conversas francas com o psicólogo Henrique Carpegiani e seus treinadores, Gerson Pazian e Márcio Latuf, que caracteriza como pessoas maravilhosas que entraram em sua vida no momento certo”.
“Com certeza, eu estava em uma fase da natação em que eu treinava, treinava, treinava, e não melhorava meus tempos, e deixei de acreditar em mim e de toda história que eu tinha com o esporte, estava mal comigo mesmo. E, quando eu retornei para a Unisanta, antes mesmo de assinar meu contrato, vim fazer um treino com o Márcio, mas não quis mais sair daqui, decidi ficar”.
Gabi lembra que a cada treino vem a recordação de quando era pequena e fazia natação apenas por amor, uma atividade mais livre, não para competir. “E essa motivação me fez recordar o amor que eu tinha, de tudo o que eu sentia, que não era apenas resultado, era muito mais que isso, era uma história”.
Além de Gabrielle, muitos também não acreditavam em seu potencial. A mídia, por exemplo, raramente citava seu nome na equipe brasileira dos 4X200m. “Eu via isso pelo lado negativo e eles (equipe multidisciplinar da Unisanta) me fizeram enxergar pelo lado positivo e me motivar ainda mais”.
A história da atleta com a Unisanta a ajudou muito neste recomeço. “Às vezes posso chegar estressada de tão cansada que estou, mas quando eu entro nesta piscina parece que estou em outro mundo”.
Novamente confiante em seu potencial, Gabrielle foi inscrita para nadar no Maria Lenk, competição que servia como uma seletiva para os Jogos Olímpicos de 2016.
O grito – A história de seu retorno tem um capítulo especial, e um dos personagens principais é Márcio Latuf. Definido por Gabi como um paizão maravilhoso, uma frase do treinador foi uma das maiores motivações da atleta na conquista da vaga olímpica. “Eu estava treinando muito bem e no meio do treino ele gritou muito alto: ‘Essa vaga olímpica é sua, você vai para as Olimpíadas senão eu não entendo nada de natação’”, conta a atleta emocionada que essa frase nunca mais saiu de sua cabeça.
A vaga – Foi difícil, mas Gabi conseguiu atingir o índice necessário para qualificar-se para a competição (seu tempo foi de 1min59s22), e nadará o revezamento 4x200m livre, ao lado de Larissa Martins Oliveira, Manuela Lyrio (ambas do Pinheiros) e Jessica de Bruin Cavalheiro (Sesi-SP). Classificada para a competição auge do esporte mundial, ela treina duro para fazer bonito e representar bem o Brasil no Rio de Janeiro.
Sobre o pódio, a atleta sonha, mas fala com cautela e pé no chão. “Um passo de cada vez e só de chegar a uma final olímpica, que o Brasil não chega há 12 anos nos 4X200m feminino, já será um grande feito. O pódio é um grande sonho. Mas vamos um passo de cada vez”, repete.
Futuro – Além de se dedicar a natação – sua prioridade -, como ela define, Gabrielle divide seu tempo de atleta com as aulas da Faculdade de Direito e quando sobra umas horinhas (quase nunca – risos), adora dançar e passear com seu cachorro na praia.
“Me interesso bastante por essa área de Direito, mas também gosto demais de Educação Física. Não me vejo aposentada, mas, quando eu me aposentar, não sei com qual das duas áreas vou querer trabalhar. Pretendo fazer as duas faculdades, mas resolvi começar pela que considero mais difícil que é o Direito”.
Sobre os estudos, a nadadora conta que tenta absorver todo conteúdo em sala de aula, porque, quando chega em casa precisa descansar. “Minha rotina é bem cansativa, e o descanso é muito importante para o meu treinamento – para a recuperação de um dia para o outro, mas eu tento ir todos os dias às aulas, e absorver todo conteúdo neste período”.