Projeto institucional “Pró-Pesca: pescando o conhecimento” comemora 20 anos de pesquisas e integração social

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O projeto institucional “Pró-Pesca: pescando o conhecimento”, desenvolvido pelo Acervo Zoológico da Universidade Santa Cecília (AZUSC), comemora 20 anos. Com o objetivo de integração entre pesquisadores e pescadores, o projeto representa grande parte dos estudos realizados com peixes e crustáceos na instituição.

O coordenador do Pró-Pesca e também curador do AZUSC, Prof. Dr. Matheus Rotundo, relembra a trajetória das atividades: “Inicialmente o projeto foi desenvolvido para estudos regionais sobre a diversidade de peixes, obtendo materiais e informações junto aos pescadores artesanais da Baixada Santista”. Ele ressalta a importância do projeto em sua fase inicial: “Alguns anos, antes de iniciar o Pró-Pesca, havíamos começado a coleção científica de peixes da Unisanta. O projeto foi, e ainda é, o maior responsável pela obtenção de materiais para a coleção, única na região da Baixada”.

Através de seu desenvolvimento e com a adesão de diversos pescadores e pesquisadores, novas linhas de estudo foram desenvolvidas, auxiliando docentes e alunos em trabalhos de conclusão de curso, iniciação científica, mestrados e doutorados. “Conforme o número de pescadores e pesquisadores foi aumentando, novas ideias começaram a surgir de ambas as partes. Dúvidas e questionamentos dos pescadores se tornaram objetivos de estudo para os pesquisadores, assim como questionamentos dos pesquisadores passaram a ser motivo de atenção dos pescadores”, relembra Rotundo.

Além das pesquisas e da integração entre os dois grupos, o projeto auxilia na formação dos alunos do curso de Ciências Biológicas (Biologia Marinha) e dos programas de Mestrado em Ecologia e em Auditoria Ambiental da Unisanta. São realizadas visitas aos pontos de desembarque, onde os alunos têm a possibilidade de aprender sobre as diferentes técnicas de pesca, caracterização ambiental e aspectos da biologia de peixes e crustáceos.

Abrangência e parcerias institucionais

Inicialmente o projeto era restrito a pescadores artesanais da Baixada Santista. Atualmente, está sendo desenvolvido do Rio de Janeiro a Santa Catarina, além de ocasionalmente em outros estados brasileiros, contando com a participação de pescadores artesanais, industriais e esportivos. A equipe do projeto visita regularmente os diferentes pontos de desembarque e comunidades pesqueiras, como destacado por Rotundo: “Possuímos uma rotina de atividades muito organizada para poder atender todos os pescadores e pesquisadores. Com uma maior área de abrangência, estamos desenvolvendo mais estudos comparativos de diversidade, além de aspectos biológicos e pesqueiros. Ocasionalmente, desenvolvemos atividades em outros estados, como no Ceará, Sergipe, Bahia, Rio Grande do Sul e até mesmo em Fernando de Noronha”.

A equipe de pesquisadores era formada por especialistas na área de diversidade de peixes e crustáceos. Com a ampliação do projeto, recebeu novos membros de diferentes instituições e especialidades. Atualmente a equipe multidisciplinar é formada por biólogos e veterinários especializados em taxonomia, biogeografia, ecologia aquática, zoologia, biologia pesqueira, ecologia humana, anatomia, fisiologia e genética. Possui parcerias com a Universidade Estadual Paulista (UNESP), Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal de Sergipe (UFS), Museu Paraense Emílio Goeldi, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre outras.  Além do Acervo Zoológico, outros laboratórios da Unisanta também fazem parte do projeto, como os de Ecologia Humana, Biologia de Organismos Marinhos e Costeiros, Genética da Conservação e Central de Biologia.

A coleção científica de peixes da Unisanta, principal beneficiária do projeto, conta atualmente com 23.640 exemplares de espécies estuarinas e marinhas do litoral brasileiro. Através das parcerias, o projeto já forneceu 6.758 amostras de tecidos (destinados a análises de DNA) aos laboratórios de biologia e genética de peixes da Universidade Estadual Paulista (UNESP), genética pesqueira e conservação da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e de lepidopterologia e ictiologia integrada da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Importância e inovações

O projeto foi responsável por uma grande quantidade de artigos científicos publicados em revistas nacionais e internacionais, fortalecendo a ciência e a interação social, como destacado pela Profª Drª Milena Ramires, do Laboratório de Ecologia Humana da Unisanta: “Antes mesmo de me tornar docente da Unisanta, em meados dos anos 2000, passei a interagir com o Prof. Rotundo, que me auxiliou na identificação dos peixes que estudei no meu doutorado. Na ocasião, soube do Projeto Pró-Pesca, que já proporcionava um diálogo muito bom entre pesquisadores e pescadores.”

Ramires também destacou a importância do projeto em sua carreira profissional: “Como sempre trabalhei com a pesca e os pescadores artesanais, os trabalhos do Pró-Pesca me despertaram a perspectiva de pesquisar aqui na região da Baixada Santista.” Atualmente, ela é responsável pela parte social do projeto, orientando e desenvolvendo estudos sobre a temática: “a interação só aumentou, resultando em outros projetos integrados de pesquisa, bem como orientações de iniciação científica e mestrado sobre temáticas voltadas ao estudo das interações entre populações humanas e os ambientes aquáticos, principalmente, etnoictiologia e sustentabilidade pesqueira.”.

Por fim, a pesquisadora ressaltou a importância do projeto como base para a ciência: “Fico feliz em saber que nestes 20 anos do Pró-Pesca, muitas pesquisas de excelência foram produzidas e novos projetos nasceram a partir dele. É isto que a ciência espera de projetos institucionais deste porte, interação e produção de qualidade.”

Segundo a Profª Drª Helen Sadauskas-Henrique, especialista em fisiologia de organismos aquáticos do Laboratório de Biologia de Organismos Marinhos e Costeiros da Unisanta, também membro da equipe de pesquisadores do Pró-Pesca, a compreensão dos ambientes naturais é ampliada quando ocorre a integração de diferentes fontes de conhecimento:

“O trabalho conjunto de pescadores e pesquisadores potencializa e amplia a capacidade de entendimento dos ambientes naturais, casando o conhecimento popular com o técnico-científico.” Sadauskas-Henrique também explicou sobre sua participação no projeto: “Venho trabalhando no Pró-Pesca através de projetos que analisam a presença de itens plásticos nos peixes, avaliando os impactos da presença do plástico nos oceanos para diversas espécies de peixes, assim como a segurança alimentar das populações que consomem este pescado.” Ainda segundo a pesquisadora, projetos multidisciplinares e integrativos são de grande relevância social e científica: “Projetos que avaliam os impactos da presença de plásticos nos oceanos e suas consequências ecológicas e humanas são de grande importância para a sociedade de forma geral, porém são realizados apenas com parcerias como no Pró-Pesca”.

Com o desenvolvimento da ciência, tecnologias inovadoras passaram a fazer parte do cotidiano de pesquisadores que buscam novas formas de responder a questões antes sem definições. Entre as principais inovações tecnológicas na área ambiental, destacam-se estudos genéticos baseados no sequenciamento do DNA. Neste sentido, o Prof. Dr. Bruno Ferrette, pesquisador do Laboratório de Genética da Conservação da Unisanta e também membro do Pró-Pesca, destacou:

“O amplo acesso ao material biológico devido ao Pró-Pesca, assim como a devida identificação, catalogação e armazenamento, juntamente com as informações ambientais no momento de captura, como coordenadas geográficas, profundidade, temperatura, etc., têm fomentado novas abordagens na pesquisa científica”.

Ferrette falou sobre a utilização dos materiais nas pesquisas desenvolvidas na Unisanta: “Atualmente, o material proveniente do Pró-Pesca tem possibilitado a realização de estudos genéticos que vão desde a identificação de espécies capturadas pela pesca, avaliação de estoques pesqueiros, hipóteses filogeográficas para a distribuição de espécies à descrição de novas espécies através de uma abordagem de taxonomia integrativa.” Também demonstrou otimismo com o andamento do projeto: “As perspectivas futuras são promissoras e este material irá possibilitar avançados estudos genômicos, que dependem de amostras de DNA de alta qualidade, fomentando, assim, uma nova abordagem e suprindo estudos avançados sobre a biodiversidade”.

Sucesso e dificuldades

Para o coordenador do Pró-Pesca, o sucesso do projeto está relacionado à integração do ambiente social cotidiano ao universo acadêmico: “A realização do projeto se dá exclusivamente através da interação dos membros. Trabalhar com os pescadores significa ter a possibilidade de receber a informação bruta, não lapidada, mas extremamente valiosa, a qual não obtemos nos núcleos acadêmicos.” Rotundo também ressaltou a importância do perfil dos pesquisadores no projeto: “No Pró-Pesca, valorizamos o conhecimento e a vivência dos pescadores. Eles estão diariamente em contato com a natureza, têm acesso ao material que nós pesquisadores temos dificuldade em obter, então saber reconhecer este esforço e conhecimento é mais importante do que os próprios resultados de uma pesquisa”.

Segundo Rotundo, as dificuldades do Pró-Pesca estão relacionadas com as novas perspectivas ambientais da sociedade: “Infelizmente ainda sofremos com a falta de conhecimento sobre nossos recursos naturais. Muitas pessoas buscam uma melhor qualidade de vida, porém não compreendem a importância da conservação da natureza. Neste novo cenário, os pescadores se tornaram vilões e os pesquisadores não respondem aos anseios da sociedade”. Ainda segundo o pesquisador, é necessário ocorrer a desmistificação da pesca e da pesquisa acadêmica: “A sociedade precisa compreender que a atividade pesqueira pode ser realizada de forma sustentável, assim como entender que os estudos devem ser realizados com base científica, e isso requer tempo e investimento financeiro”.

Durante o período de confinamento devido à pandemia de COVID-19, os pesquisadores membros da equipe do projeto estão se revezado na obtenção das amostras e na integração com os pescadores. Estão sendo realizadas reuniões entre os pescadores e pesquisadores através de plataformas on-line de comunicação. Segundo Rotundo, a pandemia alterou a forma de comunicação entre os membros do projeto, porém as atividades continuam em desenvolvimento: “Neste período, estamos nos adequando às regras de distanciamento social, buscando garantir a segurança de todos os membros da equipe, porém não deixamos as atividades de lado. Continuo a buscar os materiais e passamos a fazer reuniões on-line, pois disponibilizamos equipamentos para os pescadores e assim nos comunicamos frequentemente”.

Para mais informações sobre o projeto, entre em contato com o coordenador através do e-mail: acervo_zoologico@unisanta.br