Há um estágio intermediário de comprometimento cognitivo que poucos identificam, que pode converter ou não para o mal de Alzheimer. E testes motores podem auxiliar, em conjunto com outros testes clínicos e cognitivos, a diagnosticar se idosos estão em fase inicial da doença, conforme pesquisa da dra. Sheila de Melo Borges, professora da Unisanta.
Testes motores que exigem atenção dividida (tarefa dupla) podem auxiliar no diagnóstico de possível comprometimento cognitivo, além de riscos de quedas. Há um estágio intermediário, pouco conhecido, chamado de comprometimento cognitivo leve, que pode converter ou não para demência, em que o diagnóstico precoce é muito importante, conforme doutorado da professora de Fisioterapeuta da Universidade Santa Cecília, Sheila de Melo Borges, aprovado recentemente pela Faculdade de Medicina da USP, com nota dez.
Um problema, segundo a pesquisadora, é que o diagnóstico de Alzheimer costuma ser tardio, “pois poucos são os centros que sabem da existência desse estágio intermediário (chamado de comprometimento cognitivo leve), antes do desenvolvimento da demência”.
“Assim, infelizmente, a maior parte do diagnóstico desse tipo de demência só é feito quando a doença já está em fase mais avançada, quando seria promissor, para o paciente, se o Alzheimer fosse descoberto em fases iniciais do comprometimento cognitivo”, afirma Sheila.
“Normalmente, as alterações motoras são associadas aos estágios mais avançados da doença de Alzheimer, mas pesquisas mais recentes e os resultados do meu doutorado observaram que as alterações motoras ocorrem em fases muito precoces do comprometimento cognitivo, associadas à memória, à atenção e à função executiva (planejamento as ações).”
“É um assunto muito interessante e os grandes centros de excelência estão dedicados a entender como essa população se comporta e, se possível, se um dia será possível prevenir essa conversão”, acrescenta.
Ela explica que nem sempre os idosos com comprometimento cognitivo leve desenvolvem o Alzheimer, entretanto todos os idosos com diagnóstico dessa doença um dia passaram pelo estágio de comprometimento cognitivo leve.
Médicos e demais profissionais envolvidos, como fisioterapeutas, psicólogos, gerontólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais costumam se valer de testes para auxiliar esses pacientes, não só no que diz respeito ao diagnóstico, mas em relação ao tratamento de alterações cognitivas e funcionais.
Em seu doutorado, Sheila concluiu que os idosos com comprometimento cognitivo leve e com doença de Alzheimer apresentam alterações no desempenho motor tanto em condições de tarefas simples como em tarefas de atenção dividida.
Testes e duplas tarefas
Executamos tarefas de atenção dividida ou dupla tarefa em nosso cotidiano, tais como quando falamos ao telefone ou apenas conversamos enquanto caminhamos. As duplas tarefas são complexas e desaconselhadas em qualquer idade para os motoristas, como dirigir e falar ao celular ao mesmo tempo, pois podem levar a acidentes.
E os idosos têm mais dificuldades em realizar ações com atenção dividida, mesmo as mais simples, pois elas exigem atenção e, com isso, as atividades realizadas simultaneamente são prejudicadas.
Um dos testes supervisionados por Sheila na pesquisa, conhecido como Timed up and go test pedia ao paciente que levantasse da cadeira, caminhasse três metros e retornasse para se sentar no mesmo lugar (tarefa simples). Em seguida, o idoso teria que fazer o mesmo percurso, mas citando nomes de animais que lhe viessem à cabeça (o teste motor associado à dupla tarefa cognitiva).
Ou ele deveria fazer o mesmo percurso segurando um copo com água (teste associado à dupla tarefa motora), ou realizar o mesmo percurso e ao mesmo tempo falar os nomes dos animais e segurar o copo com água ao mesmo tempo (teste associado à dupla tarefa motora e cognitiva).
Foram analisados: o tempo de execução do teste (em segundos), o número de passos e o número de possíveis paradas durante os testes. A lentidão, o número de passos menor do que o esperado e o número de paradas observadas indicam o prejuízo cognitivo maior dos idosos e o risco de sofrer quedas.
“Destaca-se o fato de que há poucos estudos sobre idosos com comprometimento cognitivo leve, que é uma população com deficit cognitivo, mas que não é considerado uma perda normal do envelhecimento”.
Autonomia dos idosos
Os testes de desempenho motor avaliados na pesquisa são amplamente utilizados por fisioterapeutas e profissionais especializados na área de Geriatria e Gerontologia, o que pode contribuir para a identificação de possíveis déficits cognitivos e motor quando associados a outros testes de rastreio cognitivo, e colaborar para uma manutenção da independência e autonomia desses idosos.
A independência (quando o idoso consegue realizar suas atividades do cotidiano sem ajuda de ninguém) e a autonomia (quando ele é capaz para decidir sobre suas ações/tarefas no dia a dia) são importantes medidas de qualidade de vida e saúde.
“Para os testes propostos em sua pesquisa foi necessário excluir casos de demência de origem vascular, demência fronto-temporal, demência de corpúsculos de Lewy e demência mista. Também foram descartados os estados depressivos, que podem levar à perda temporária da memória, conhecido como pseudodemencia. É fundamental ao fisioterapeuta entender o mecanismo cognitivo e sua relação com desempenho motor”, afirma a doutora Sheila.
Causas do Alzheimer
A doença de Alzheimer pode ser de origem genética, quando ela ocorre, de forma geral, em idosos mais jovens e com história familiar de casos semelhantes em idosos mais jovens. O mal pode surgir pelo avançar da idade, em idosos muito velhos e, nesse caso, é conhecido como demência senil (que ocorre em geral, em idosos de 85 anos em diante). Quanto mais velha é a pessoa, maior a chance de apresentar um quadro demencial do tipo Alzheimer, mas nem sempre isso ocorre.
Além disso, baixa escolaridade, sexo feminino e sedentarismo também são fatores de risco para o desenvolvimento da doença de Alzheimer relacionada à idade avançada. O cérebro de um idoso com Alzheimer apresenta uma grande quantidade de placa senil e do emaranhado neurofibrilar, mas essa visualização só é encontrada durante a autópsia, depois que o paciente morre.
Portanto, o diagnóstico da doença de Alzheimer é de exclusão de problemas clínicos e outras demências e é realizado por meio da avaliação clínica (médica), neuropsicológica (por meio de testes cognitivos específicos da psicologia) e funcionais (avaliação de atividades de vida diária e de desempenho motor, conforme propõe a tese da prof.a Sheila.
“As variáveis cognitivas que avaliam memória, atenção e função executiva se relacionaram com o desempenho motor com e sem tarefa de atenção dividida em idosos com comprometimento cognitivo leve e com doença de Alzheimer em fase inicial da doença, e em condições de tarefa de atenção dividida cognitiva. Além disso, foi possível observar que os idosos com déficit cognitivo apresentam alterações motoras com e sem tarefa de atenção dividida, em especial quando associada à tarefa cognitiva (falar enquanto realizam o teste)”.
Mestrado em Gerontologia
Sheila de Melo Borges concluiu seu mestrado em Gerontologia na Unicamp, em 2006. Ela estudou a relação da função visual e a capacidade funcional em idosos. Em 2008 começou a colaborar com o Ambulatório de Psiquiatria Geriátrica do Laboratório de Neurociências (LIM-27) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-FMUSP), onde desenvolveu um trabalho de intervenção com idosos e seus familiares com déficit cognitivo, bipolares e depressivos.
Recentemente, o grupo de pesquisa publicou um livro sobre essa intervenção, pela editora Atheneu. Em agosto de 2010, Sheila de Melo Borges iniciou a pesquisa de doutorado, agora concluída. Ela é formada pela segunda turma da Unisanta e atualmente dá aulas na pós- graduação em Gerontologia e no curso de graduação em Fisioterapia, ministrando as seguintes disciplinas: Fisioterapia em Geriatria e Gerontologia, Fisioterapia na Atenção Básica, Gerontologia e Geriatria.