Depois de quase um ano de preparação, ensaios, laboratórios, aberturas de processo, ajustes, chega ao palco, em turnê de estreia, o novo espetáculo do TEP – Teatro Experimental de Pesquisas / Unisanta, o Vila Belmiro: A Noite da Navalhada, que percorrerá vários espaços culturais de Santos e da Baixada Santista, tendo como ponto de partida a apresentação do próximo dia 15 de abril, no Espaço Multicultural, em São Vicente (Praça 22 de Janeiro), às 19 horas, com entrada franqueada ao público.
Escrito por Gilson de Melo Barros, em parceria com a artista Beatriz Rota-Rossi, originalmente para teatro (2002), e montado pelo TEP nesse mesmo ano, o espetáculo demonstra em sua espinha dorsal, através da singularidade da nossa história recente, a importância dos lugares em que se habita, encrustados em nós como cicatrizes permanentes, tendo a memória como vértice para as ações dramáticas que se desenvolvem em sua narrativa, centrada nas desventuras da personagem Jacirema, uma santista da gema, moradora por toda a vida no bairro que dá nome à peça, viúva de Juremar, trabalhador portuário, e mãe de quatro filhos, “todos com nomes de mar – Ademar, Osmar, Mário e o Di Souza”. Este último, em licença lírica, poeta e alma do povo santista, súbita e misteriosamente desaparecido, como o pai, pelas “quebradas do mundaréu”. Tempos bicudos.
“Ao se buscar o texto original para a atual montagem, deparamo-nos com o seu desaparecimento, ausência de registros e, mesmo com intensa busca, quase nada foi encontrado, a não ser o roteiro cinematográfico, por mim também desenvolvido, para a realização do curta-metragem de mesmo nome lançado pelo grupo em 2005, sobre o qual a remontagem acabou se desenvolvendo”, esclarece o autor diretor.
Para dar corpo e voz a alguns personagens, principalmente Jacirema e Mário, personalidades marcantes da cultura de Santos e cercanias são lembradas através de citações e pensamentos próprios que se amalgamam à trama, como os poetas Narciso de Andrade e Rui Ribeiro Couto, a filósofa Djamila Ribeiro, a atriz Camila Baraldi, e a viúva de Rubens Paiva, Eunice Paiva, em justas e merecidas homenagens.
Da realização inicial, de 2002, foi resgatado também o texto da Beatriz Rota-Rossi, A Noite da Navalhada, que entra no espetáculo como uma alusão a um trecho do livro de Lídia Maria de Melo, também citada durante o espetáculo, sobre o navio prisão Raul Soares, em que se referia às salas de maldades, tortura mesmo, que eram realizadas nessa embarcação e, ironicamente, “apelidadas” com nomes
de casas de espetáculos do centro noturno de Santos à época, como Casablanca, My Love e Love Story. Este último, lugar onde a trama da Beatriz se desenvolve.
No texto da Beatriz, como o nome do texto já diz, A Noite da Navalhada, a trama se desenvolve através da narrativa de uma tragédia – um fato real – ocorrida entre uma prostituta novinha e um marinheiro desembarcado, nas dependências da boate Love Story, um dos pontos de efervescência boêmia do centro noturno da cidade de Santos, em meados dos anos 70 e, em notas de saudar, relembra alguns dos frequentadores da região, seus companheiros de documentação artística da noite alternativa da cidade, como o escritor Plinio Marcos, o artista plástico Luiz Hamen e seu primo Alex Vallauri, introdutor do grafite no Brasil.
Apesar dos temas drásticos, dramáticos e sempre urgentes, abordados pelos textos que compõem o espetáculo, o grupo busca, com certa leveza em sua dramatização, um acento atenuante a dar espaço para a reflexão sobre os assuntos tratados, e respiração para alívio das tensões inevitáveis. Para tanto, utiliza cenas de cantoria, dramaticidade circense, técnicas de palhaçaria, clown e outras bufonarias, obtidas através de várias oficinas desenvolvidas pelo grupo, cujas dinâmicas absorvidas foram reinterpretadas e inseridas no espetáculo ao longo do seu processo da montagem.
Com apoio cultural e logístico da Unisanta, onde o grupo mantém sua sede há 36 anos, e com eventuais preciosas parcerias, o espetáculo conta em sua composição com a participação dos atores Adilson Secco, Arlaine Gomes, Cícero Pinto, Edelvira Azevedo, Josefa Melquides, Fabiano Santos, Lilian de Souza, Mariana Gomes, Melissa Mardones e Vera Regina Camargo, além do apoio e sustentação de Cesar Magalhães e Lívia Mendes, na assistência de direção, Lindalva Parolini, nos figurinos, Pedro Paulo Zupo na produção do espetáculo e operação de som, Jota Amaral, estúdio de som, Zeca Sampaio, trilha original, e Tales Ordakji, produção executiva. Direção geral Gilson de Melo Barros.
Bom espetáculo a todos! EVOÉ!