Habituado aos rigores do trabalho como teatrólogo, figurinista, cenógrafo e professor da Faculdade de Artes e Comunicação (FaAC), da Universidade Santa Cecília (UNISANTA), de Santos, entre outras atribuições, o multimídia Gilson de Melo Barros, tem encarado o desafio de preparar o Carnaval da Escola de Samba X-9 para o desfile deste ano.

Na condição de carnavalesco, mais uma faceta em sua carreira multidisciplinar, ele vem se dedicando diuturnamente às atividades no barracão da Pioneira, que tem como enredo “Xisnoveano, Macuqueiro, Arteiro, Teatreiro. A X-9 saúda Tanah Corrêa e a Arte e a Cultura Brasileira”, em óbvia homenagem ao diretor e agitador cultural Tanah Corrêa, um dos baluartes da escola.

Além dele, mais três professores curso de Artes da UNISANTA integram a equipe que prepara a X-9 para a Passarela do Samba Dráuzio da Cruz. Os professores Elver Savietto, Beatriz Rota Rossi e João Batista, além do Eber Góes, ex-professor da instituição, desenvolvem as alegorias da Escola, que atendem a uma enredo complexo, elaborado em detalhes por Gilson.

“A ação de Tanah Corrêa como homem de estreita ligação com as artes cênicas é o caro chefe, mas a X-9 vai desfilar os principais momento da história da Cultura Nacional, desde o descobrimento, passando pelo Barroco, Semana de Arte Moderna, entre outros, até os nossos tempos”, destaca o carnavalesco.

Gilson, a despeito das dificuldades inerentes ao desenvolvimento da montagem de um Carnaval em uma escola de recursos financeiros limitados, está otimista quanto à possibilidade de fazer um grande desfile. “A comunidade xisnoveana mantém aceso o seu espírito guerreiro, o mesmo ardor e perseverança que a ajudaram a superar momentos ainda mais difíceis”, destaca.

Os mais antigos lembram, por exemplo, do Carnaval de 1976, ano no qual a escola venceu com o Enredo Hoje é Dia da Feira. Até chegar à consagração, a X-9, entre os meses de janeiro e fevereiro de76, sofreu dois duros baques. Primeiro, perdeu sua Madrinha e baluarte, Dona Guiomar de Lima Ramos, a Tia Inês. Depois, viu um vendaval derrubar parte da cobertura de sua quadra, danificando alegorias, adereços e fantasias às vésperas do desfile.

Alguns diziam que a “barraca da feira” havia tombado, mas os xisnoveanos, em sua fibra, encararam o desfile e fizeram um Carnaval histórico. A X-9 somou 152 pontos, contra 127 da segunda colocada, a Mocidade Independente do Padre Paulo e 122 da já extinta Império do Samba. A vitória levou a escola ao bicampeonato e deu forças para conquistar, nos três anos seguintes o Pentacampeonato.

O HOMENAGEADO – Tanah Correa, outro nome de destaque dentro da X-9, foi escolhido como tema para o Enredo deste ano por sua marcante carreira e contribuição ao desenvolvimento das artes cênicas em Santos e no Brasil.

Mais do que dirigir e atuar, Tanah sempre foi um profissional preocupado com o desenvolvimento artístico da Região. Tanto que em 1985 ele assumiu o desafio de administrar a secretaria de Cultura de Santos, onde ajudou na valorização dos artistas locais. Ele também foi fundador do Teatro Plínio Marcos, em São Paulo, membro da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, Diretor-Presidente da Sociedade Brasileira de Autores e Presidente da Comissão de Restauração Cênica e inauguração do Teatro Coliseu.

Tanah nasceu em Bauru mas foi a cidade de Santos que Tanah Corrêa adotou como cidade do coração. Mudou-se para o município ainda com um ano de idade. Das atividades artísticas e culturais do Clube de Regatas Saldanha da Gama e da Escola Escolástica Rosa surgiu um dos maiores símbolos das artes cênicas do Brasil.

Suas principais lembranças inspiradoras da infância vem da parte materna da família: “Meu avô era pintor, tocava piano, violino, minha mãe cantava áreas operísticas, minhas tias faziam teatro dentro de casa para a gente. Essa recordação sempre ficou na minha cabeça e talvez esses momentos tenham influenciado até hoje a minha vida.”

“Sempre trabalhei nessa área, mas não profissionalmente. Comecei no teatro amador estudantil”, lembra o diretor teatral. Tanah conta como iniciou sua carreira teatral: “Em 1977 tínhamos um grupo de teatro em Santos e teve um festival pela Faculdade de Filosofia. Nessa época meu nome no teatro era Tanah, na área sindical não. Nosso grupo apresentou uma música e ganhamos o festival. Mas a música vencedora (Vento do Norte, falava sobre a invasão do capitalismo) foi proibida de tocar no festival pela censura. A organização nos chamou e disse que, por eles, nós tocaríamos, portanto que assumíssemos as responsabilidades, que eles poderiam dar uma cobertura de proteção. Nosso grupo resolveu cantar, tínhamos feito um esquema, fugimos depois, isso no Clube de Regatas Santista. A partir daí ficou muito difícil minha permanência fazendo arte em Santos, porque ligaram meu nome Tanah Corrêa ao funcionário da Petrobras, ai o DOPS, a Polícia passaram a me perseguir o tempo todo, não me dando sossego. Já morava em São Paulo, mas resolvi trabalhar teatralmente por lá.”

“Eu falei com Umberto Magnani , que é uma pessoa que eu tive contato nos festivais amadores e pedi para ele avisar caso soubesse algo para eu fazer. Ele falou que tinha um projeto, uma produção do Flávio Rangel com a Regina Duarte e o Flávio estava procurando um assistente de direção e perguntou se eu queria fazer a entrevista. Eu fiz e a partir daí comecei como assistente de direção do Flávio Rangel, depois diretor assistente. No espetáculo profissional, chega uma hora que o diretor não acompanha mais o espetáculo, tem sempre alguém que acompanha. O Flávio deixou sob minha responsabilidade e tive todo apoio do elenco. O espetáculo era ‘O Santos Inquérito’, texto de Dias Gomes. Nessa peça eu acabei entrando também como ator. A partir daí só fiz teatro profissional.” Entre as peças mais marcantes na vida de Tanah: A Maravilhosa Estória do Sapo Tarô-Bequê e A Balada de Um Palhaço.

Atuando como ator, produtor e principalmente diretor de inúmeras peças, filmes e novelas, Tanah construiu um rico currículo que teve como primeira apresentação profissional nada mais nada menos do que um espetáculo com texto de Dias Gomes, direção de Flávio Rangel e com Regina Duarte no elenco. Tanah é pai de dez filhos, entre eles o ator Alexandre Borges.