O projeto universitário é gratuito, acolhe mulheres e aborda diferentes temas que rodeiam o universo feminino

Em um país onde mulheres ainda enfrentam, diariamente, violências, sobrecarga doméstica e desigualdade de oportunidades, ouvir e ser ouvida pode mudar tudo. Foi com essa missão que nasceu o Grupo Delas, uma iniciativa do curso de Psicologia da Universidade Santa Cecília (Unisanta), que oferece atendimento gratuito, semanal e exclusivamente voltado ao público feminino a partir dos 18 anos.

Nas dependências da instituição, vozes ecoam histórias, dores e recomeços entre conversas, poesias, ikebanas – arte japonesa de arranjos florais –, músicas e fotomontagens, orientadas por estagiários da Clínica de Psicologia. Mas o projeto vai muito além do acolhimento emocional, ele gera impacto social que transforma a realidade de quem participa – e também de quem conduz.

O grupo oferece o que muitas mulheres sequer sabiam que tinham direito de receber: atenção, cuidado e autonomia. Elas são convidadas a se abrirem, como se estivessem entre amigas, descobrindo que não estão sozinhas e que não são invisíveis para a sociedade.

Um espaço para ressignificar a existência

“O Grupo Delas estabelece a autonomia da mulher, onde a gente aborda questões vinculadas à autoestima, feminilidade e às demandas do cotidiano da mulher contemporânea. É um espaço de escuta muito importante para que ela ressignifique sua existência e amplie seus horizontes frente às suas perspectivas”, explica a coordenadora do projeto, Prof.ª Denise Alexandre Marques.

Ao criar um ambiente seguro para a troca e o acolhimento, com um olhar clínico e sensível, o projeto permite que mulheres de diferentes contextos compreendam que não estão sozinhas – e que é possível encontrar caminhos para sair de onde estão.
“A maior autonomia que damos a essas mulheres é o poder de se escutar e escutar as outras também. Muitas vezes, achamos que é exclusivo da gente e, à medida que ouço as outras, eu acabo complementando a minha existência, eu falo: ‘Nossa, isso acontece lá também! ’”, ressalta a docente.

Essa identificação é o ponto de partida para uma reorganização interna que leva a novos caminhos: “Ela vai buscando subsídios para fazer escolhas em que ela se enxergue mais, que ela aprenda a falar mais não para o outro e mais sim para ela”, completa.
Entre os temas abordados nos encontros, a violência – seja física, moral, sexual, patrimonial ou, principalmente, psicológica – é um dos mais frequentes. Sutil e, muitas vezes, naturalizada, essa forma de violência é silenciosa e difícil de reconhecer.

Segundo Fabiana Calazans, estagiária do grupo e estudante do quarto ano de Psicologia, esse tipo de violência impacta a vida das mulheres, sendo inserida no cotidiano delas e gerando atenção aos seus comportamentos. “Os primeiros sinais que percebemos é o isolamento das redes de apoio e das relações sociais que ela tem. Depois vem o controle excessivo, a objetificação e, muitas vezes, a responsabilização: essa mulher se culpa por estar dentro da situação”, relata.

Com a participação nos encontros, cada mulher é acolhida sem julgamento, em um ambiente seguro para que possa, aos poucos, nomear o que sente, o que vive e o que quer mudar.

Escutar com a arte: um manifesto do pertencimento

Os encontros semanais do Grupo Delas não são só sobre conversas. Embora a fala seja a principal forma de comunicação, não é a única ferramenta de expressão utilizada: a arte é uma aliada no processo terapêutico. Muitas mulheres acessam suas emoções por meio de desenhos, esculturas, arranjos florais, entre outros canais.

Denise explica que sempre há uma atividade associada aos encontros, planejada com o objetivo de acolher verdadeiramente as participantes. As oficinas envolvem diferentes formas de expressão, como poesia, dinâmicas de grupo, ikebana, artes gráficas, pintura e fotomontagem, ajudando as mulheres se expressem de maneiras diversas.

Nesse processo, traços de traumas, dores e violências surgem, muitas vezes de maneira velada e até desconhecida por elas mesmas. “É uma escuta de acolhimento, mas, a partir dela, conseguimos encaminhar essas mulheres para a rede de apoio do município, para a nossa clínica ou para outros órgãos. Às vezes é uma questão de saúde da mulher”, comenta a coordenadora.

E isso não tem relação com idade ou classe social. Um dos maiores diferenciais do projeto é justamente a diversidade das histórias. Mulheres com variadas experiências compartilham vivências e percebem que suas dores, medos e dúvidas não são casos isolados.

“A gente teve um grupo bem diverso. Havia mulheres que ganhavam um salário mínimo e outras que ganhavam cinco. Tanto a de um salário mínimo quanto a de cinco eram cerceadas no seu patrimônio, direcionavam para parceiros que administravam esse dinheiro, exclusivamente da maneira que eles queriam”, lembra Denise.

Esse reconhecimento fortalece os vínculos e reconstrói o sentimento de pertencimento, tantas vezes fragilizado. O espaço é construído com cuidado, com recursos terapêuticos, dinâmicas pensadas para cada tema e com liberdade para que cada mulher fale o que quiser, quando quiser.

Por isso, a palavra “autonomia” aparece com tanta frequência nas falas de Denise e Fabiana. O Grupo Delas tem como missão central devolver a essas mulheres o poder de decisão: sobre seus corpos, seu tempo, seu dinheiro e seus vínculos.

“Quando eu digo dessa autonomia, não está só no ponto de vista psicológico, está no prático. Não tem como eu melhorar no campo da saúde mental e não saber onde eu vou buscar um recurso para a minha saúde. E, às vezes, o que falta para essas mulheres é informação. Mostrar possibilidades para que encontrem novos caminhos para a melhoria da vida em todos os sentidos”, enfatiza a coordenadora.

Para isso, as estagiárias são preparadas para conhecer os recursos disponíveis na cidade e orientar cada mulher de acordo com sua realidade.

Projeto que prepara a vida e para o futuro profissional

O projeto Grupo Delas não causa um impacto apenas na vida das participantes, mas transforma também as estagiárias. Neste ano, a turma de estágio é 100% feminina, composta pelas alunas Livian Penellas, ⁠Fabiana Calazans, ⁠Geovana Albuquerque, ⁠Kauany Santana, ⁠Jackeline Freitas e ⁠Maria Eduarda Santos que desenvolvem competências que ultrapassam o conhecimento técnico.

“Consigo observar, desde o primeiro momento até o encerramento, o quanto evoluem tecnicamente e na escuta empática. O aluno de Psicologia, às vezes, quer ter uma escuta técnica e se esquece da existência do outro. Esse projeto desenvolve a maturidade”, observa Denise.

Fabiana reforça: “Para mim, enquanto mulher, é muito gratificante acolher outras mulheres. A gente sabe o quanto é difícil só existir sendo mulher. Participar do projeto é proporcionar um lugar de segurança, onde elas se sintam vistas e valorizadas. ”

Como participar?

Aberto a todas as mulheres com 18 anos ou mais, os encontros do Grupo Delas acontecem às quartas-feiras, das 15h30 às 17h30, na Universidade Santa Cecília, em Santos (SP). A entrada é pela Rua Osvaldo Cruz, n.º 277.

Não é necessário realizar a inscrição, basta comparecer ao endereço e se identificar na portaria; uma estagiária estará disponível para orientar. O grupo também mantém um canal de contato pelo Instagram: @grupo.delas.escutafeminina, onde são divulgados conteúdos sobre direitos das mulheres, autoestima, acolhimento e informações sobre o projeto.

Se você é mulher e sente que precisa de um espaço para ser ouvida, esse lugar existe e está esperando por você.
Venha!