Reportagem multimídia de ex-alunas de Jornalismo da Unisanta aborda o desenvolvimento tecnológico em aldeias indígenas na divisa entre Itanhaém e Peruíbe
Por Victoria Capaldo. Edição: Elaine Saboya
Por mais de um ano, as jornalistas Josiane Rodrigues e Vitória Aparecida pesquisaram o cotidiano das aldeias Rio Branco e Tabaçu Reko Ypy, para mostrar como os índios das aldeias lidam com o desenvolvimento tecnológico atual. O material encontrado foi transformado em uma grande reportagem multimídia, que traz textos, depoimentos, fotos e vídeos sobre as diferenças do uso da tecnologia nas duas aldeias. O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), aprovado em 2018, é um dos finalistas da INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
Um dos objetivos do trabalho “É índio, mas veste roupa de branco:o impacto que a tecnologia causa na cultura das aldeias de Itanhaém”, foi pesquisar a cultura indígena, mostrar à população da área urbana as tradições atuais desse povo e como as ferramentas não-indígenas são utilizadas para preservar a cultura nativa.
Em seu início, há uma pequena introdução a respeito da aldeia Tabaçu Reko Ypy, que fica localizada próxima à Rodovia Padre Manoel da Nóbrega dentro da terra indígena Piaçaguera. A aldeia é composta por nove famílias, num total de 45 indígenas de etnia tupi-guarani. Já a terra indígena Rio Branco fica próxima à divisa do Parque Estadual da Serra do Mar, em Itanhaém, em uma distância de 28 quilômetros da área urbana.
Uma das diferenças em relação às duas aldeias é que a Tabaçu Reko Ypy possui mais ferramentas de tecnologia, como eletricidade, rede de telefonia móvel e sinal de Wi-Fi aberto, e a outra – Aldeia Rio Branco –, possui um cenário de características mais reclusas, como as encontradas nas demais aldeias da Baixada Santista. “O principal pedido dos moradores é um sinal de telefone”, como diz a introdução.
Internet nas aldeias
O uso da internet pelos indígenas é um dos destaques da reportagem. Na aldeia Tabaçu Reko Ypy, vive Miriam Dina dos Santos – Itamirim Tabaçu Reko Ypy, conforme sua identidade indígena –, uma das pessoas entrevistadas pelas ex-alunas. Miriam utiliza a internet para aproximar as crianças da cultura indígena e mostra como se prevenir dos preconceitos.
Ela criou um projeto que visa ‘superar as barreiras que ameaçam de alguma forma a identidade indígena’, usando a tecnologia como principal ferramenta. “A tecnologia está nos ajudando a trazer esse fortalecimento, porque as pessoas e os parceiros conseguem conhecer nossos projetos e a nossa vida, e, dessa maneira, traz benefícios”, explica Miriam. As redes sociais também são muito utilizadas na aldeia, principalmente para divulgar eventos que acontecem no local.
Dois espaços: o contemporâneo e o “natural”
Segundo o trabalho, a aldeia possui dois ambientes de vivência: o primeiro é chamado de espaço contemporâneo, que possui casas de madeira em que os índios residem, e são permitidos o uso da tecnologia e conforto. Já o segundo ambiente, chamado de Nhandecoroá, é um espaço mais próximo da natureza, em que ‘os indígenas chegam a passar uma semana ou mais vivendo de forma tradicional na mata, caçando, se alimentando de raízes e frutos, pegando lenha e dormindo ao relento, deixando qualquer influência externa de fora’.
A moradora da aldeia afirma às ex-alunas que leva toda a comunidade até o Nhandecoroá para o ‘fortalecimento da raiz cultural indígena’ dos jovens, das crianças e de seus pais.
Vitória e Josiane também procuraram o líder do aldeamento, o morubixaba Wera Tabaçu Reko Ypy Tupi Guarani, que está registrado em português como Cleiton Eugênio Silvano, para saber a opinião dele acerca da internet no cotidiano da aldeia. Wera comenta que ‘a internet é um instrumento de extrema importância para a divulgação das tradições e também para adquirir conhecimento sobre os direitos e outros segmentos da própria cultura indígena’. Ele utiliza a internet para pesquisar sobre outras culturas, como a caiçara. Destaca que vê a televisão como ‘forma de aprendizado e o videogame como entretenimento’.
Aldeia Rio Branco
Já na aldeia Rio Branco, apenas cinco pessoas possuem aparelhos celulares. Porém, não há sinal de telefonia móvel. Segundo a reportagem, os habitantes os utilizam para verificar a data no calendário, fazer contas na calculadora e ouvir notícias na rádio FM. Produtos como orelhão, televisores e máquina de lavar fazem parte da rotina da aldeia, assim como luz elétrica, antena parabólica e aparelhos que facilitam a plantação.
Após a realização de uma pesquisa realizada na comunidade sobre ‘quais eram as tecnologias mais consideradas interessantes para eles’, o resultado mostrou que 28% dos entrevistados escolheram o celular e o computador, seguidos por geladeira, televisão, rádio e internet, com 14%.
Para o indígena Marcos da Silva Laurindo, de 38 anos, a tecnologia é um instrumento valioso para a escrita, para ver imagens e conhecer lugares que ainda não conhece. “Os mais antigos guardavam a experiência na cabeça. “Mas agora o mundo tá mudado, né? Cada vez mais avançado na tecnologia. Então para nós é muito importante”, afirmou, para a reportagem. Porém, lembra que a tecnologia pode afetar a comunidade e mostrar coisas ruins aos indígenas, como drogas, violência e até suicídio.
Coral, fotografias e turismo
Um dos entrevistados foi Wera Xunu Mirim – nome guarani de Ricardo da Silva – um jovem de 20 anos, que mora há 13, na Aldeia Rio Branco. Wera, aos 14 anos, foi eleito vice – cacique da aldeia e coordena, atualmente, o ‘coral indígena mais jovem do estado de São Paulo’, que viaja pelo Brasil para apresentações. Após frequentar as séries iniciais do ensino fundamental na aldeia, Wera, cursou o Ensino Médio em outra escola. Segundo a reportagem, Wera conseguiu terminar até seu segundo ano, mesmo com as ‘dificuldades da distância e a discriminação que sofria por parte dos colegas brancos’.
Para Wera, com a vinda da tecnologia, as aldeias perderam o jeito de falar e o modo de viver. “Algumas falam só português, mas aqui só falamos em Guarani (M’Bya). Quando a gente fala em português é para conversar com o pessoal da cidade”, declara, na reportagem.
Um dos líderes da aldeia Rio Branco é o fotógrafo Karaí Mirim Werá Karaí. Ele participou de um curso de fotografia em São Paulo, e, assim, ‘registrou mais de 1.500 fotos do cotidiano dos indígenas’. Por meio de um projeto inscrito no Programa de Ação Cultural (PROAC), a comunidade conseguiu uma câmera que é usada por todos. Segundo a reportagem, além de ser fotógrafo, Karaí coordena um grupo de caciques mais jovens e é monitor turístico.
Tecnologia em discussão
As ex-alunas ouviram também dois professores que ministram aulas em aldeias da região, incluindo na aldeia Rio Branco. Cleirray Wera Fernando é licenciado em História pela Universidade de São Paulo (USP), já lecionou na Aldeia Rio Branco e atualmente ensina em outras escolas indígenas. Ele comenta, na reportagem, que a globalização é a principal responsável pelo impacto causado em hábitos tradicionais da Aldeia. “Eu me lembro que, onde eu morava antigamente, em Bertioga, quando dava 17h, todo mundo ia para a casa de rezas, e, às 18h30, ninguém mais entrava lá. Quem entrou, entrou. Depois que chegou a televisão lá, os jovens não queriam mais ir, diziam que não iam porque tinham que assistir a novela”.
Ele ainda acredita que o ‘jovem indígena não usa de forma correta as redes sociais’ e que algumas postagens podem municiar as pessoas contra a manutenção das terras indígenas.
Orientação para o uso de celular dentro da sala de aula é o pensamento do professor e indígena, Edi Carlos dos Santos, responsável pela escola Rio Branco. Ele acredita que se o ‘indígena não sair da escola sabendo como funcionam as ferramentas, ele fará um péssimo uso das mesmas’.
Perigos da Internet
A reportagem das ex-alunas mostra que a tecnologia está afetando o cotidiano dos indígenas. Lideranças indígenas estão se reunindo, frequentemente, com jovens para fazer um debate e orientá-los ao uso da internet, ‘principalmente no que diz respeito a redes sociais como Facebook e Whatsapp’.
Uma dessas reuniões foi o Encontro de Jovens Lideranças Indígenas na aldeia do Pico do Jaraguá, zona norte de São Paulo, que ‘reuniu cerca de 85 jovens de vários lugares do país, como Santa Catarina e Rio de Janeiro’. Durante três dias de debates, foram abordados assuntos como: a importância do fortalecimento da cultura, os perigos no uso das redes sociais, dentre eles a pornografia, a prostituição e a troca de “nudes”. Drogas, bebidas alcoólicas e influências musicais e culturais externas também estavam entre os assuntos abordados.
Para ter uma visão mais abrangente do impacto da tecnologia no cotidiano das aldeias indígenas, Josiane e Vitória Aparecida conversaram com o antropólogo Darrell Champlin. De acordo com ele, a chegada da tecnologia nas aldeias pode ser comparada com a chegada da energia elétrica em regiões distantes do Brasil, nos anos 60.
E este impacto influencia como o ser humano identifica o mundo. “Você começa a introduzir desejos na pessoa que ela nunca teve antes, a convencer ela de que precisa ter algo que nunca teve e de que ela é melhor se tem aquilo. E se ela é melhor do que era antes, é melhor do que aquele que não tem agora”, afirma, na reportagem. Ele complementa que a cultura indígena ‘não pode ser considerada forte, porque ela é igual a qualquer outra’, e mesmo sendo isolada, se for inserido qualquer elemento de mudança, ‘veremos quanto tempo dura a chamada ‘cultura tradicional’.
A reportagem multimídia está disponível para leitura no site https://tccjornalismo2018.wixsite.com/indigenas.