As pesquisas de doutores, mestres e mestrandos da Universidade são diversas e contínuas. Neste sábado (11/4/15), porém, Caio Rodrigues Nobre e Priscila Barone coletaram amostras em locais muito mais poluídos, devido aos produtos lançados no meio ambiente para conter as chamas nos tanques de combustível, desde o dia 2 de abril último.

 Viagens com barco no estuário,  inclusive nos fins de semana,  são rotina na vida acadêmica de professores e alunos da Universidade Santa Cecília (Unisanta), mas a expectativa neste sábado era de encontrar mais poluição na água e nos organismos coletados, devido ao incêndio na Ultracargo, no Complexo  Industrial da Alemoa.

O biólogo Caio Rodrigues Nobre  está pesquisando pellets (microplásticos) desde  seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).  Agora, seu estudo é de mestrado. Há uma grande ocorrência desses microplásticos na areia das praias e no mar, afirma o mestrando.

Os pellets são minúsculos pedaços de plástico, redondos, com menos de 5 milímetros, que podem ser vistos a olho nu nas  praias.  Essas partículas  já poluem normalmente o meio ambiente, e tudo leva a crer que a situação se agrava com as substâncias químicas utilizadas no combate ao fogo e com os combustíveis lançados na água e no ar, pois é grande a capacidade dos pellets de absorver  substâncias poluidoras, explica o biólogo.

Rodrigues Nobre desconhece outros estudos recentes sobre os pellets na Baixada Santista, além dos realizados pela Unisanta. Por serem partículas muito utilizadas em transporte e manipulação de cargas no porto Santos e na fabricação de diversos produtos, a disseminação delas no meio ambiente é grande. Nas praias santistas  foi encontrada a média de 1.100 unidades de pellets por metro cúbico de areia.

Peixes e outros animais engolem essas partículas, podem se sentir saciados e deixar de se alimentar. Fora os riscos ainda não comprovados em pesquisas de efeitos a médio e longo prazo na cadeia alimentar.   Caio Rodrigues Nobre integra a equipe do Laboratório de Ecotoxicologia da Unisanta. O doutor Camilo Seabra, seu orientador, tem publicado trabalhos a respeito, com sua colaboração. Outras pesquisas da equipe são em torno dos efeitos de produtos farmacêuticos em larvas e no meio ambiente.  Um dos estudos foi publicado recentemente em revista científica internacional.

Água e sedimentos

Neste sábado, Priscila Barone  coletou sedimentos no estuário de Santos, para a  sua dissertação ao  Programa de Mestrado em Sustentabilidade de Ecossistemas Costeiros e Marinhos da Unisanta.  Ela  estuda os tipos de organismos dos sedimentos, com análises químicas e toxicológicas. As pesquisas mais recentes na área são as da década de 90 e os realizados pelo Projeto de Gerenciamento Ecológico de Zonas Costeiras (EcoManage), programa internacional de estudos concluído em 2008, do qual a Unisanta foi a única universidade particular brasileira a participar, com pesquisadores da Itália, Argentina, Holanda, Portugal e Chile.

Ouriços do mar

No Laboratório de Ecotoxicologia da Unisanta, outra equipe fará testes com a água coletada no  estuário e seus efeitos em embriões de ouriços-do-mar, animais muito sensíveis à poluição. Os ouriços são também coletados no mesmo local e, depois dos testes, são devolvidos ao  mar.  Em laboratório, por estimulação elétrica ou injeção de cloreto de potássio (KCl), sem nenhum sofrimento aos animais, ocorre a fecundação das células masculina e feminina, que produzem uma única célula, o zigoto.  O zigoto se desenvolve normalmente 24 horas depois, se não houver nenhum problema decorrente de contaminação ou doenças prévias na matriz genética.

A mortalidade de peixes no estuário de Santos devido ao incêndio na Alemoa evidencia,  a curto prazo, o efeito agudo  dessa poluição, mas é preciso estudar os efeitos crônicos a médio e a longo prazo relacionados com esses produtos  químicos em sedimentos e organismos marinhos,  bem como os riscos potenciais que o consumo de peixes e de frutos do mar aparentemente saudáveis  pode causar à população, no futuro.

O alerta é de orientadores  do Programa de Mestrado em Sustentabilidade de Ecossistemas Costeiros e Marinhos da Instituição.   A Unisanta  não vai analisar os peixes,  mas as condições da água  e sedimentos,  como vem fazendo há décadas no Laboratório de Ecotoxicologia, atendendo às demandas da comunidade, indústrias e órgãos públicos.

Esse laboratório é  acreditado pela Certificação de Qualidade Internacional seguindo as normas da ISO 17.025, do Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro) e  da ISO 9002 (International Organization for Standardization) para a realização de testes de toxicidade com embriões de ouriços-do-mar obtidos  pela fertilização in  vitro.  Se a amostra  (água, elutriados e sedimentos)  estiver contaminada,   os embriões  poderão sofrer anomalias em seu desenvolvimento durante o período de experimentação. Elutriados se referem à re-suspensão de sedimentos que podem aflorar com atividades como aprofundamento de canais.

A explicação é do professor doutor Aldo Ramos Santos, coordenador do Laboratório de Ecotoxicologia e orientador do Mestrado em Engenharia Mecânica.  O dr. Ramos Santos também orienta dissertações interdisciplinares com o Mestrado de Ecologia, este coordenado pelo professor doutor Fábio Giordano.

Outros poluentes perigosos

“Não se sabe exatamente que outros tipos de poluentes estão sendo despejados no mar, razão pela qual é recomendado monitorar as condições ambientais do estuário continuamente, a médio e longo prazo também”, afirma o professor doutor Augusto Cesar,  um dos orientadores do Mestrado de Ecologia da Instituição.

“Fala-se em queima incompleta de combustíveis (álcool e gasolina)  e partículas dissolvidas no ar e no mar, , o que   significa a presença de hidrocarbonetos, moléculas  de difícil degradação, que se acumulam no tecido adiposo (gordura) dos peixes e podem  incorporar nos tecidos e nos sedimentos”, acrescenta o pesquisador. Outros aditivos poluentes devem estar chegando ao estuário, como   líquidos geradores de espumas  empregadas para apagar o fogo.  Desconhece-se qual o risco deles, pois ainda não temos informação sobre  a composição química desses  produtos.

Os biólogos mestres Fernando Sanzi Cortez  e Fábio Hermes Pusceddu,  do Laboratório de Ecotoxicologia da Unisanta, afirmam que os retardantes de chamas utilizados no combate a incêndios podem ser até mais nocivos do que os combustíveis lançados no meio marinho.  A equipe do laboratório aguarda, ainda nesta semana, a chegada de amostras da água coletadas por Ongs da região, para iniciar os testes e  estudos.

Entre os peixes mortos há os alevinos, os jovens que, em muitas espécies, não têm capacidade de se evadir para o alto mar. Mas,  pelas fotos  divulgadas pela imprensa pode-se perceber exemplares de  adultos mortos, entre eles, garoupas e robalos, de  grande valor comercial.  Alguns fazem parte da lista de espécies ameaçadas de extinção.

O mangue e o estuário constituem berçários fundamentais para a vida marinha, explica Augusto Cesar. Portanto, deve-se levar em consideração que a maioria destas espécies que se criam no estuário podem não morrer de imediato, ganharem o alto mar,  e os efeitos cumulativos passarão a serem sentidos mais tarde, tanto nos animais como nos homens que se alimentarem  delas.

“A Unisanta está em contato com outras universidades para um esforço conjunto, a fim de realizar os estudos necessários”, acrescenta  Ramos Santos.

A Universidade tem um histórico de diversos estudos no estuário de Santos, dede 2004, inclusive em pontos próximos  à Alemoa, onde havia o antigo lixão da Codesp, hoje extinto. Essas e outras  pesquisas realizadas há décadas pelo Laboratório de Pesquisas Biológicas do Acervo Zoológico da Unisanta, este coordenado pelo biólogo  mestre Matheus Rotundo,  podem contribuir para mostrar a situação dos peixes e do meio ambiente do estuário, antes do incêndio.

Tanques inseguros

Ramos  Santos destaca a necessidade dos órgãos públicos  exigir mais condições de segurança das pequenas empresas e depósitos que estocam combustíveis e outros produtos tóxicos, a exemplo do que é  feito nas grandes indústrias. Ele tem larga experiência nesse assunto, pois trabalhou durante anos na Petrobras e estuda a questão há muito tempo.

Nas grandes  indústrias, as espumas e outros produtos usados no combate a incêndios são despejados em tubulações acopladas a uma válvula, que podem atingir  o tanque em chamas sem necessidade de se utilizar mangueiras, que espalham a espuma no ar. Os líquidos que escoam para as bacias de contenção são drenados para uma câmera de espera ou outros tanques, onde são resfriados e/ou neutralizados. O combate ao incêndio é, desse modo, mais eficaz, rápido e seguro.   Basta abrir e fechar válvulas.