Esse e outros problemas, a serem estudados neste semestre pelo Mestrado em Direito da Saúde da Unisanta, o primeiro no gênero do País, foram analisados na abertura da Semana Jurídica pelo Promotor de Justiça e doutor pela Faculdade de Medicina, Reynaldo Mapelli Júnior.
O Mestrado em Direito da Saúde, promovido pela Universidade Santa Cecília (Unisanta), vai contribuir para o estudo de problemas que afetam não apenas a população como também os poderes públicos. Um deles é um grande número de demandas em torno de fornecimento gratuito de medicamentos importados e tratamentos experimentais, geralmente solicitados por pessoas atendidas na rede particular, e que resultam em gastos que as Políticas Públicas não conseguem suportar financeiramente.
A informação é do Promotor de Justiça e Doutor pela Faculdade de Medicina da USP, Dr. Reynaldo Mapelli Júnior, que abriu a Semana Jurídica 2016 da Universidade Santa Cecília (Unisanta), dia 8/8. Somente em 2010 as demandas contra os órgãos públicos custaram R$ 189 milhões em medicamentos e produtos, enquanto, em 2014. chegaram a R$ 395 milhões. E 60% das pessoas que moveram os processos contra o Sistema Público de Saúde (SUS) estavam no sistema privado de saúde. Alguns, até em hospitais de alto padrão.
Demandas como tratamentos experimentais e fornecimento de medicamentos ainda não autorizados no País também chegam ao Judiciário, sem que haja leis que possibilitem esse atendimento pelo SUS, ou ainda, sem que existam verbas públicas “para dar tudo para todos”.
“Nenhum país, mesmo oferecendo um bom Sistema Universal de Saúde, como o Canadá e a Inglaterra, tem dinheiro para dar tudo a todos, sem critérios”, afirmou Mapelli Júnior. Lembrou que esse foi um dos motivos que levou a Inglaterra a sair da União Europeia, pois os imigrantes também passaram a se utilizar do Sistema de Saúde, e os gastos aumentaram muito com essa demanda extra.
No caso dos medicamentos, o promotor sugere, como tentativa de se reduzir os conflitos, a criação de um Centro de Triagem Farmacêutica, para se encaminhar as demandas, conforme prevê a lei: às prefeituras (no caso dos medicamentos básicos), aos estados (os considerados estratégicos, como os contra o HIV, a tuberculose e outras doenças transmissíveis), e os de alto custo (comprados pela União, que os encaminha aos estados).
Desconhecendo esses fatos, é comum haver demandas contra as prefeituras, solicitando medicamentos que não são da atribuição do poder municipal. Outras medidas sugeridas foram a criação de varas especializadas em Saúde Pública e se tentar antes a conciliação entre as partes.
Papel do Judiciário e importância do Mestrado- “Temos um compromisso com o Sistema Único de Saúde (SUS) que foi criado pela Constituição de 88, a qual deu esse perfil novo para o Ministério Público, como um fiscalizador de direitos sociais”, afirmou o dr. Reynaldo Mapelli Júnior . O trabalho do promotor de justiça em qualquer cidade muitas vezes está voltado a essa ideia de garantir direitos sociais como a saúde. Aí é comum o promotor atender pessoas e receber por escrito representações no sentido de aperfeiçoar o sistema de saúde”.
O promotor ressaltou a importância de se estudar a saúde do ponto de vista jurídico, o que é algo pouco feito em nosso País. São questões ligadas ao direito individual como o direito a um tratamento ou medicamento, uma cirurgia, e o direito do ponto de vista administrativo. A complexidade do problema exige um estudo aprofundado de todas as questões, daí a importância do Mestrado em Direito da Saúde, que a Unisanta lançou.
“Nós temos na Constituição um sistema de saúde planejado, tendo princípios e diretrizes funcionais para que seja universal e gratuito, atendendo a todas as pessoas”.
O olhar jurídico, tanto para o direito individual como para o direito administrativo, ainda é muito falho, muito ruim, na opinião do promotor. “Por exemplo, temos uma Lei Orgânica da Saúde, Lei 8080 de 1990. Qualquer livro jurídico, qualquer compilação, não traz essa lei. Um juiz, um promotor, um advogado, quando trabalham com questões dessa natureza, com base em que ele decide? Temos uma Lei Orgânica que não é conhecida e não é estudada. É importante estudar juridicamente essa e outras leis.
As ações judiciais tratam hoje de tudo o que diz respeito à saúde, até porque o sistema de saúde não é só um sistema para tratar doenças. Pode tratar um transtorno mental, uma dependência química, enfim, é algo mais amplo. Existem alguns temas que são mais comuns, o mais frequente ainda é o acesso aos medicamentos. Isso é, a assistência farmacêutica, seguramente é mais comum nos tribunais.
Há ações de internação de dependentes químicos, para cirurgias de emergência, para tratamento de doenças raras. Existem também ações civis públicas, que são ações coletivas; quando um promotor de justiça investiga um hospital, por exemplo, e quando constata problemas de atendimento (falta de recurso financeiro, má gestão pública, necessidade de ampliação do hospital, etc.
Boas políticas públicas – O doutor Mapelli afirmou que a Assistência aos Portadores de HIV é um exemplo em que há boas políticas públicas, reconhecidas até internacionalmente. E os livros demonstram que em boa parte isso ocorreu pelas ações judiciais no final da década de 80 e no começo da de 90, que fizeram com que se ampliasse o atendimento. Hoje temos uma política pública bem desenvolvida nesse sentido.
“Há uma preocupação grande hoje nessas ações judiciais com a assistência de pessoas em vulnerabilidade. Quando você pensa no transtorno mental, numa pessoa com deficiência, no atendimento de transexuais, de mulheres vítimas de violência. Há uma preocupação porque nem sempre a política pública chega até essas pessoas”.
“Então me parece que as ações judiciais afirmativas, ou seja, para que essas pessoas tenham realmente o direito à saúde são muito importantes e têm obtido sucesso inclusive no Supremo Tribunal Federal, que tem esse papel de garantir direitos de minorias. Isso tem sido muito positivo.
A programação da Semana Jurídica está muito boa e diversificada. É importante o aluno entender que o Direito é uma ciência própria, tem suas regras, sua forma de raciocínio, mas que não pode se fechar em si mesmo. Não existe mais um direito meramente legalista. É importante ter um olhar multiprofissional, interdisciplinar. O Direito só tem sentido se for feito com justiça e a justiça não é apenas a aplicação da lei.
O doutor Mapelli Júnior foi coordenador do Núcleo de Assuntos Jurídicos (2013-2016) e Chefe de Gabinete (2011-2013) da Secretaria de Saúde do Estado.
Importância da Semana Jurídica – O coordenador do Curso de Direito da União, doutor Fernando Reverendo Vidal Akaoui, afirmou que é imprescindível para os alunos terem contato com autoridades da área jurídica, além dos professores em sala de aula. “Esse evento (Semana Jurídica) serve para que possamos trazer grandes nomes do cenário jurídico nacional e internacional, para que eles possam, através da abordagem de determinados temas cruciais à área, terem contato com novas ideias, novas perspectivas e com temas que muitas vezes não são abordados em sala de aula por serem muito específicos ou temas novos que precisam ser ainda aprofundados
O Direito à Saúde é um Direito Social de todas as pessoas. Um dever do Estado. Trata-se de um tema que tem sido trazido ao poder judiciário com muita frequência, são problemas com plano de saúde, problemas de fornecimento de medicamentos, a própria infraestrutura da área de saúde que muitas vezes é negligenciada pelo poder público, pelo executivo.
“São questões que influenciam diretamente na vida de todo o cidadão. Inclusive essa é a área de concentração do Mestrado que a Unisanta está abrindo a partir desse segundo semestre, o mestrado em Direito da Saúde, tamanha a relevância dessa temática, é que a Unisanta a elegeu para ser o foco de seu mestrado”.
O Dr. Reynaldo Mapelli Júnior tem uma larga experiência tanto no âmbito jurídico como no âmbito de gestão da área de saúde. Ele integrou a secretaria de saúde do Estado, sendo chefe de gabinete. Pôde vivenciar múltiplas situações com relação à área de saúde e acabou ganhando muita experiência e muitos casos que acabaram redundando na tese de doutoramento dele realizada na Faculdade de Medicina da USP, com o tema a judicialização da saúde.
“Ele conseguiu, em uma faculdade de Medicina, abordar uma questão que poderia parecer eminentemente jurídica mas também recebeu um colorido técnico em razão da experiência que ele teve na Secretaria do Estado”.